quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Sírios ‘comem grama’ para enfrentar fome em Homs

Ruínas e sujeira em Homs (Reuters)
Cidade está sitiada e sob constante bombardeio, diz morador
Moradores da sitiada cidade de Homs, na Síria, estão tão desesperados por alimentos que têm comido "qualquer coisa que cresça no chão, plantas, até grama", disse à BBC o sírio Baibars Altalawy.
A cidade está sob ataque das tropas do governo há mais de um ano e meio.
Segundo Altalawy, os moradores das partes sitiadas dependiam de alimentos, remédios e combustível enviados ao local quando o estado de sítio foi imposto. Mas esses suprimentos acabaram.
"Se não morrermos por conta dos bombardeios ou dos franco-atiradores, vamos morrer de fome ou frio", disse Altalawy, de 24 anos, via Skype, de Homs.
A população local esperava que a conferência em Genebra, que discute a guerra civil na Síria, levasse à criação de rotas seguras para que os moradores pudessem abandonar Homs - mas Altalawy afirma que, se o regime quisesse ajudar a população a escapar, já o teria feito.
O mediador da ONU, Lakhdar Brahimi, tenta obter acesso humanitário à área sitiada, mas os diálogos permanecem emperrados. A delegação síria exige garantias de que a ajuda humanitária americana não irá para "grupos terroristas armados" na cidade.
São 13 distritos, incluindo a histórica Cidade Velha de Homs, que estão "totalmente sitiados", afirmou Altalawy.
"Há famílias, mulheres, idosos, feridos (ali), e muitos dos idosos precisam de medicamentos para doenças crônicas", prosseguiu o sírio. "Não temos recebido nenhuma ajuda, tudo o que vemos diariamente são confrontos. Os rebeldes nas áreas sitiadas estão fazendo o que podem para impedir a entrada das tropas do regime."

Fome

Na falta de alimentos, Altalawy diz que a população está colhendo qualquer tipo de planta ou grama. "Daí cozinhamos com água, usando madeira (para o fogo), porque não temos gás".
Só que essas gramas e arbustos têm causado indigestão e febre em alguns moradores. "Alguns dias atrás, um idoso morreu seis horas após comer a grama."
Altalawy afirma também que o bombardeio sobre a cidade não tem tido trégua - e que áreas de população civil estão sendo "diretamente alvejadas" pelas forças ligadas ao presidente Bashar al-Assad.
"Muitos morreram porque não temos equipamento ou medicamentos para salvar suas vidas. O pouco que sobrou de remédio está vencido, mas temos usado mesmo assim."

'Pouca esperança'

A situação médica é tão desesperadora quanto à situação humanitária, agregou. "Quando alguém é ferido, só o que podemos fazer é rezar a Deus para aliviar sua dor, porque não podemos tratá-lo ou sequer alimentá-lo."
Além da população sitiada, 700 mil pessoas foram forçadas a se deslocar por conta dos conflitos, diz o sírio - muitas estão abrigadas em prédios públicos ou em acampamentos improvisados fora das áreas bombardeadas.
Há "pouca esperança" quanto aos sucesso das negociações em Genebra.
"Estamos à beira da morte, e não há formas de tirar os doentes ou feridos (da cidade). E sabemos que qualquer pessoa que tente escapar do sítio será morta com certeza."

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Dilma ironiza polêmica sobre Portugal e diz que pagou conta em restaurante

Dilma, ao chegar a Cuba para cúpula da Celac (Ag Brasil)
Presidente fez escala em Portugal antes de chegar a Cuba (acima)
A presidente Dilma Rousseff ironizou a polêmica em torno de sua escala em Portugal - onde não tinha compromissos oficiais -, no final de semana, e afirmou que pagou a conta do restaurante que frequentou em Lisboa.
"Acho isso fantástico", afirmou Dilma com ironia ao ser questionada sobre os gastos. "Foram procurar os gastos (que fiz) em Portugal e não na Suíça."
A parada em Portugal ocorreu no sábado, no intervalo entre a viagem oficial da presidente ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, e sua ida a Havana, para a cúpula da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos).
A justificativa do Planalto é de que a escala em Portugal era "obrigatória", porque "dependendo das condições climáticas" o Airbus presidencial não teria autonomia para fazer o percurso Zurique-Havana.
Dilma jantou no Eleven (uma foto da presidente com o chef do restaurante foi publicada na rede social Instagram), restaurante citado no guia Michelin, e se hospedou no hotel Ritz.
Dilma disse que não usou o cartão corporativo para pagar sua conta em Lisboa. "Posso escolher o restaurante que for desde que eu pague a minha conta. É uma exigência feita para todos os ministros que almoçam ou jantam comigo, têm que pagar sua conta."
A presidente não deixou claro, porém, se pagou pessoalmente a conta do hotel, onde a diária da suíte presidencial de sábado a domingo custa 8.265 euros (cerca de R$ 27 mil).
Segundo o governo, Dilma chegou no final da tarde de sábado a Lisboa com sua comitiva, passou a noite na cidade e viajou a Cuba no dia seguinte.
Mas o PSDB opinou que a viagem foi uma "extravagância com dinheiro público", alegando que a presidente não tinha agenda oficial em Portugal.
A oposição pediu abertura de inquérito civil público na Procuradoria-Geral da República e na Comissão de Ética Pública da Presidência, para avaliar se a escala feriu códigos éticos ou de conduta.

Escalas presidenciais

Em março do ano passado, reportagem da BBC Brasil apontou que escalas em que Dilma não tinha compromissos oficiais custaram, à época, R$ 433 mil aos cofres públicos.
O valor incluía despesas apenas com hospedagem e diárias em visitas a Atenas (Grécia), Praga (República Tcheca) e Granada (Espanha), que ocorreram durante escalas de viagens de Dilma e sua comitiva à Ásia.
Em nota, a assessoria da Presidência disse na ocasião que as visitas foram "escalas obrigatórias de caráter técnico", programadas conforme os limites de autonomia do avião presidencial.

Suspensão de reunião da ONU sobre prisões foi 'lamentável', diz ONG

prisioneiro | BBC Brasil
Encontro havia sido considerado 'ideal' em momento de debate gerado após massacre em Pedrinhas
A decisão do governo brasileiro de cancelar uma conferência da ONU que seria realizada no Brasil a partir desta terça-feira para discutir temas ligados ao sistema prisional foi criticada por um especialista ouvido pela BBC Brasil.
O momento do encontro, que reuniria representantes de mais de 60 países, havia sido considerado ideal por ONGs ligadas a direitos humanos por coincidir com o intenso debate gerado no país após o massacre no presídio de Pedrinhas (MA), onde 62 presos morreram desde o ano passado.
Na visão de especialistas, a 3ª Reunião para Revisão das Regras Mínimas para o Tratamento de Presos da ONU abriria uma boa oportunidade para se discutir a política penitenciária brasileira na presença dos maiores especialistas no assunto.
No entanto, na semana passada, o governo brasileiro decidiu adiar o evento.
"Foi lamentável. Pedrinhas é um problema com o qual o governo brasileiro tem de lidar, mas agora ficou claro que as vítimas - ou seja, os presos - não estão na pauta", disse à BBC Brasil Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas, uma das ONGs que participariam da reunião da ONU.
"É um descaso com a sociedade civil que acompanha o tema e com os especialistas estrangeiros que já estavam de viagem marcada."
O Ministério das Relações Exteriores afirmou que o governo decidiu adiar a reunião "em decorrência de dificuldades de agenda de alguns participantes e de confirmação da presença das delegação estrangeiras abaixo da esperada".
Questionado pela BBC Brasil, o Itamaraty se recusou a responder questões sobre quais participantes estariam com a agenda lotada e quais delegações estrangeiras não teriam confirmado presença.

'Comunicada'

Já o UNODC, Escritório da ONU sobre Drogas e Crime, responsável pelo encontro, negou que a ausência de suas delegações tivesse motivado a decisão.
"A sede do UNODC foi informada pelo Embaixador do Brasil em Viena (na Áustria) sobre o adiamento do evento que estava marcado para começar amanhã (hoje), devido a dificuldades de agenda das autoridades brasileiras envolvidas na preparação e na realização do evento", afirmou à BBC Brasil a assessoria de imprensa do órgão em Brasília.
O objetivo do encontro, que teria duração de quatro dias, seria o de revisar as regras sobre o tratamento a prisioneiros que constam em um documento datado de 1956.
As normas são adotadas pelos países que integram a ONU e tratam de maneiras de garantir a dignidade, o acesso à saúde e o direito à defesa da população carcerária.
O processo de revisão das Regras Mínimas já teve outras duas etapas: a primeira reunião ocorreu em janeiro de 2012, em Viena, e a segunda, em dezembro do mesmo ano, em Buenos Aires.
Indicando que a decisão de adiar o painel foi tomada com pouca antecedência, um documento de 14 de janeiro de 2014 publicado no site da UNODC detalha a agenda oficial que seria cumprida nos quatro dias.
Na manhã da quinta-feira, dia 31, por exemplo, o tema a ser debatido seria: "Investigações sobre mortes em custódia, além de sinais de tortura e tratamento desumano dos prisioneiros".

'Tiro no pé'

O governo brasileiro garantiu à BBC que a suspensão do encontro em nada tem a ver com a crise aberta com Pedrinhas, o presídio maranhense que foi palco de rebeliões e alvo de investigação após denúncias de tortura e massacre por parte de agentes do Estado.
Segundo a assessoria do Itamaraty, o fato de a mudança no evento ter ocorrido em meio à crise em Pedrinhas teria sido apenas uma coincidência.
"Antes que comprometer a posição brasileira de respeito aos compromissos internacionais na área de direitos humanos, a decisão de apenas realizar a reunião com o máximo de quórum possível demonstra o interesse do Brasil em manter diálogo produtivo com a comunidade internacional", disse o Itamaraty, via e-mail.
A justificativa, no entanto, não convenceu o representante da Conectas.
"Me pareceu uma decisão puramente política com a intenção de bloquear a discussão sobre o problema prisional brasileiro", afirmou Rafael Custódio, para quem a estratégia acabou sendo "um tiro no pé". "A repercussão foi péssima. Muitas ONGs internacionais ligadas a questões carcerárias passaram a questionar a capacidade do Brasil de abrigar debates sobre esse tema."
Para ele, o adiamento do encontro é mais um sinal do paradoxo que vive o governo brasileiro.
"O país, nos últimos anos, quer pautar o debate internacional. Quer ser ouvido para questões relevantes, como Síria e Conselho de Segurança da ONU. Mas é um país que volta atrás na decisão, que ele mesmo chamou para si, de promover um debate crucial sobre um tema tão urgente."
O Itamaraty informou que a reunião será remarcada "em um futuro próximo".

Carreta derruba passarela na Linha Amarela, no Rio

Carros foram esmagados. Bombeiros resgatam feridos.

Um carreta derrubou uma passarela na altura de Pilares, Zona Norte do Rio, e fechou a Linha Amarela em ambos os sentidos, na manhã desta terça-feira (28). Bombeiros estão no local para resgatar feridos. Até o momento há a confirmação de quatro mortos e quatro feridos. Vários carros foram esmagados pela passarela.
Num primeiro momento, a concessionária Lamsa informou que o veículo teria mais que 4,5 metros de altura e arrastou a passarela de metal. Mas testemunhas afirmam que a caçamba estava levantada e bateu na passarela. O caminhão também estava trafegando em horário não permitido no local.
A carreta tem na sua caçamba a inscrição da empresa Arco da Aliança. E na sua cabine, um adesivo da Prefeitura do Rio de Janeiro, o que indica que ela estaria a serviço da prefeitura. O prefeito Eduardo Paes, que está no local, disse ainda não ter informações sobre o fato de a empresa prestar ou não a serviço da prefeitura.Não há previsão para liberação da Linha Amarela.
Homens do quartel do Méier estão no local e helicópteros da corporação também participam do resgate.
O chefe executivo do Centro de Operações Rio, Pedro Junqueira, admitiu que há muitas vítimas no local e pediu para que motoristas evitem a Linha Amarela.
As alternativas são o Alto da Boa Vista e a Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá, além da Avenida Brasil e da Linha Vermelha.
A altura limite no local é de 4,5 metros
A altura limite no local é de 4,5 metros
O secretário de Transporte, Carlos Osório, reforçou que os motoristas optem pela Grajaú-Jacarepaguá e Alto da Boa Vista. 

Flatulência de vacas provoca explosão na Alemanha

Vacas na Alemanha. Foto: AP
Gás de flatulência acumulado fez celeiro explodir na Alemanha
O gás metano expelido por vacas provocou uma explosão em um celeiro na Alemanha na segunda-feira.
A explosão feriu um dos animais e danificou o teto do celeiro no vilarejo de Rasdorf, na região central do país.
O gás acumulou-se com a flatulência e arrotos expelidos por cerca de 90 vacas, que se acumulou no local. A polícia disse à agência de notícias Reuters que um foco de "energia elétrica estática provocou a explosão do gás".
Os serviços de emergência que visitaram à fazenda realizaram medições de gás metano no local.
Cada vaca é capaz de emitir 500 litros de gás metano por dia. O impacto ambiental da pecuária é alto, já que o metano é nocivo ao meio ambiente.
As vacas também expelem amônia, que pode danificar solo e água, devido ao nível tóxico de acidificação.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Corte de Haia põe fim a disputa histórica entre Chile e Peru

Corte de Justiça de Haia  (AP)
Governo do Chile e do Peru prometeram acatar a decisão da Corte de Justiça de Haia
A Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, colocou fim nesta segunda-feira a uma disputa marítima entre Chile e Peru que se arrastava havia mais de cem anos.
A nova delimitação diz respeito a uma faixa marítima de 38 mil km² de extensão, em uma região rica em recursos pesqueiros no oceano Pacífico.
A determinação do tribunal seguiu, até certo ponto, uma linha proposta pelo Chile, 80 milhas (128 quilômetros) mar adentro. Após esse ponto, foi estabelecida uma linha equidistante ao sudoeste, como haviam solicitado autoridades peruanas. Assim, o Peru recebeu uma região marítima que até então estava em mãos chilenas.
Em 2008, Lima apresentou à corte um processo exigindo a soberania em relação à área, argumentando que os limites marítimos nunca foram delimitados. Já o Chile alegava que estes limites foram especificados em dois tratados firmados nos anos de 1952 e 1954.
Muito importante na pesca de anchovas, a área vem sendo alvo de disputa desde a Guerra do Pacífico, que envolveu os dois países entre 1879 e 1883.

Anchovas

"A Corte estabelece que a fronteira siga uma linha paralela até as 80 milhas e, a partir de então, siga em direção sul até um ponto B, baixando (em linha reta e na altura das 200 milhas) até um ponto C", explicou o presidente da Corte Internacional de Justiça de Haia, Peter Tomka.
Apesar de a decisão ter sido vista como favorável ao Peru, muitos analistas chilenos ouvidos pela correspondente da BBC afirmaram que o setor pesqueiro do país não será afetado, já que a pesca de anchova seria realizada nas primeiras 12 milhas (cerca de 20 km) a partir da costa.
Ainda assim, a Confederação De Pescadores do Chile lamentou que o país tenha perdido "um terço de seu mar", por onde passava uma importante rota de recursos pesqueiros.
"A Corte estabelece que a fronteira siga uma linha paralela até as 80 milhas e, então, siga em direção sul até um ponto B, baixando (em linha reta e na altura das 200 milhas) até um ponto C"
Peter Tomka, presidente da Corte Internacional de Justiça de Haia
De acordo com organizações relacionadas à pesca no Peru, o valor da área disputada em termos de recursos pesqueiros chegava a US$ 200 milhões ao ano.
O governo de Sebastián Piñera, no Chile, e o de Ollanta Humala, no Peru, haviam dito que acatariam a decisão, não importava qual fosse.
No final de semana, os dois países reforçaram a vigilância policial em sua fronteira para evitar que a resolução de Haia alterasse os ânimos na região. Os dois governos também temem que a decisão atrapalhe o crescente comércio entre os dois países.

Transição

De acordo com a correspondente da BBC Mundo em Santiago, Paula Molina, a decisão de Haia encontra um país em transição: com um presidente em exercício, Sebastián Piñera e uma ex-presidente eleita, Michelle Bachelet. Os dois estabeleceram que, de acordo com a tradição da política externa chilena, o país lidaria com a decisão com uma única voz.
"Mas, a pressão pelo consenso não conseguiu evitar o surgimento de algumas vozes críticas, especialmente em relação à política das 'cordas separadas', defendida pelo atual ministro do Exterior, Alfredo Moreno, e que favoreceu um clima melhor de negócios entre os dois países, apesar da reclamação peruana", afirmou Molina.
Enquanto o processo avançava em Haia, as empresas chilenas, principalmente do setor têxtil, aumentaram os investimentos no país vizinho.
O ex-ministro do Exterior de Bachelet, Mariano Fernández, por sua vez, criticou uma decisão de 2011 em que Piñera e o Congresso chileno condecoraram o ex-presidente peruano Alan García, que iniciou o processo contra o Chile em 2008.
Na fronteira, em frente à região marítima em disputa, a principal preocupação é a dos pescadores que, no caso de uma decisão contra o Chile, teriam seu acesso à pesca de anchova comprometido, e esta é a principal fonte de renda destes pescadores. O governo se reuniu com eles para garantir apoio.
Mas o gesto mais significativo, segundo a correspondente, foi o dos prefeitos das duas cidades da fronteira, a chilena Arica e a peruana Tacna, que se reuniram no começo de janeiro para firmar uma declaração de irmandade e amizade.

Passado

De acordo com Verónica Ramírez, correspondente da BBC Mundo em Lima, o passado de discórdias entre os dois países remonta à Guerra do Pacífico, que envolveu os dois países entre 1879 e 1883.
Mas a tensão histórica vinha diminuindo graças à diplomacia e a uma relação comercial que está em seu melhor momento.
Os gestos políticos, tanto chilenos como peruanos, evitaram o triunfalismo, segundo a correspondente. A chanceler peruana, Eda Rivas, se mostrou confiante afirmando que "a paz triunfará" e o presidente Ollanta Humala afirmou que "não é apenas acatar a decisão, é cumpri-la, e as sentenças se cumprem".
O jornalista e analista político Pedro Salinas também se mostra otimista quanto à relação entre Peru e Chile.
"Além de fechar o último litígio fronteiriço como país, se abre uma oportunidade de reconciliação, de virar as páginas que estavam marcadas pelo rancor, e de olhar para o futuro com otimismo."

Corte de Haia encerra disputa entre Chile e Peru

A Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, reconheceu o paralelo geográfico que atravessa o marco histórico número 1 como fator de delimitação marítima entre Peru e Chile por uma distância de 80 milhas. A partir daí, deve ser traçada uma linha equidistante dos dois países na direção sudoeste até o limite de 200 milhas em relação à costa, quando inicia-se o território de águas internacionais.   
A leitura do veredicto demorou cerca de duas horas e o tribunal buscou uma solução equitativa para a disputa, que há décadas opõe as nações andinas. O governo chileno defendia que a fronteira respeitasse em sua totalidade o paralelo geográfico, enquanto os peruanos pleiteavam que fosse traçada uma linha equidistante a partir do Ponto de Concordia, local onde a fronteira terrestre chega ao mar. Desse modo, uma área de 38 mil km² no Oceano Pacífico, antes controlada totalmente pelo Chile, terá agora uma parte sob domínio do Peru.
O processo começou há seis anos, quando Lima acionou a Corte Internacional para definir o limite marítimo entre os países, questão que Santiago considerava resolvida em acordos assinados na década de 1950.   
Contudo, a disputa tem suas origens na Guerra do Pacífico (1879-1883), na qual os chilenos conquistaram territórios de Peru e Bolívia, que também acionou a Corte de Haia, mas para conseguir uma saída para o mar. Os governos das duas nações envolvidas na contenda já prometeram respeitar a decisão, e é provável que seus presidentes façam um pronunciamento simultâneo sobre a questão.

MG: corpo de mulher morta após ônibus cair de ponte é encontrado

Os bombeiros localizaram na manhã desta segunda-feira o corpo de Maria Aparecida Amaro da Silva, 36 anos, que estava desaparecido desde o domingo. Ela era uma das passageiras do ônibus que caiu de uma ponte no rio da Glória, na BR-116, em Muriaé (MG), a cerca de 340 quilômetros de Belo Horizonte. Além dela, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que o acidente também deixou outra vítima: um bebê, que foi encontrado na água ainda na tarde de ontem.
Segundo os bombeiros, o corpo de Maria Aparecida foi achado por volta das 8h a cerca de dois quilômetros de onde o ônibus da viação Novo Horizonte saiu da pista e caiu no rio da Glória, no km 683 da rodovia. O veículo despencou de uma altura de quase 10 metros.
O chefe da delegacia da PRF, inspetor Américo Cabral, disse que 50 passageiros e o motorista estavam no ônibus, que havia saído de Ipiaú, na Bahia, com destino a São Paulo. Ainda ontem o veículo foi removido. As causas do acidente devem ser apontadas pela perícia, prevista para ficar pronta em até 60 dias. "O condutor nos disse que houve travamento de rodas e ele não conseguiu controlar o veículo. O local é uma reta, o asfalto é excelente. Só vamos poder saber o que ocorreu mesmo por meio da perícia", explicou.
A documentação do coletivo e também do motorista estavam em dia. A mãe do bebê morto no acidente recebeu atendimento no hospital, mas já recebeu alta. "A maior parte das vítimas sofreram ferimentos leves causados pelo impacto com o rio e pelo resgate feito através das janelas, mas oito ainda inspiram cuidados. Destas, três necessitam de cuidados maiores e outras cinco estão em observação. As demais já receberam alta", informou o inspetor.

Dieta rica em gordura durante gravidez pode afetar cérebro de bebê, diz estudo

Mulher grávida | Crédito: PA
Pesquisa também sugere que ingestão rotineira de comida gordurosa pode aumentar chance de obesidade do filho na vida adulta
A ingestão frequente de gordura durante a gravidez pode alterar o cérebro do bebê em desenvolvimento, revelou um estudo feito por cientistas americanos.
A pesquisa também sugere que essa dieta poderia aumentar a chance de obesidade do filho na vida adulta.
Os testes foram realizados em ratos e mostraram uma alteração na estrutura do cérebro desses animais quando houve ingestão em excesso de gordura durante a gravidez.
Segundo os cientistas, da Escola de Medicina da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, onde o estudo foi conduzido, essa pode ser uma das explicações para o fato de filhos de pais obesos terem maior propensão a se tornar adultos acima do peso.
Especialistas lembram, no entanto, que as mesmas mudanças no cérebro humano ainda não foram cientificamente comprovadas.
Hábitos alimentares compartilhados por toda a família são um fator importante em relação à obesidade, acrescentam eles.
Entretanto, há evidências de que uma dieta rica em gorduras durante a gravidez pode, de fato, moldar a silhueta da criança no futuro, assim como alterações no DNA.

Alteração no cérebro

O experimento feito em ratos mostrou que mães que tiveram uma dieta rica em gordura durante a gravidez deram à luz filhotes com alteração no hipotálamo – parte importante no cérebro para a regulação do metabolismo.
Esses filhotes tinham maior probabilidade de se tornarem obesos e desenvolver Diabetes Tipo 2 em relação a outros cujas mães receberam uma dieta normal.
"Para o filhote, isso pode ser um sinal de que ele pode crescer muito, pois o ambiente está rico em comida", explicou à BBC Tamas Horvath, pesquisador e professor de Yale.
"Nós, definitivamente, acreditamos que tais processos são fundamentais para entender o que acontece com seres humanos e porque certas crianças têm grandes chances de se tornarem obesas. Precisamos pesquisar mais a fundo, pois esses estudos podem ter forte impacto tanto em animais quanto em serem humanos", acrescentou Horvath.
Segundo ele, uma alimentação saudável durante a gravidez pode ajudar a quebrar o ciclo de que pais obesos vão, incondicionalmente, gerar filhos obesos.

'Circuitos neurológicos'

"Pesquisas de 20 anos mostram que a alimentação no início da vida tem efeitos duradouros sobre doenças cardiovasculares, osteoporose e alguns tipos de câncer", explicou Graham Burdge, professor da Universidade de Southampton.
"Trata-se de um avanço importante, pois mostra circuitos neurológicos sendo alterados. Essa característica não foi vista antes", acrescentou Burdge.
Ele ressalva, no entanto, que há diferenças fundamentais na forma como ratos e humanos processam a gordura no organismo. Por isso, o mesmo pode não acontecer com mulheres grávidas.
"Muito do que sabemos vem de pesquisas em animais. O próximo grande passo é saber se os mesmos mecanismos ocorrem de igual forma em humanos e como podemos mudar isso".

Um ano após Santa Maria, Congresso não vota lei e mudanças são lentas

AP
Incêndio deixou 247 mortos e mais de cem feridos em janeiro de 2013
Um ano após o incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), que deixou 247 mortos e mais de cem feridos, o país ainda não tem uma lei federal para padronizar normas de segurança e o assunto deixou de ser foco de atenção nacional.
Mas apesar da lentidão das novas políticas, a tragédia já motiva mudanças permanentes de comportamento, acreditam especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Embora o projeto de lei federal (PL 2020/2007) apresentado por uma comissão externa da Câmara já esteja pronto desde junho do ano passado, o texto ainda não foi votado pelos deputados.
"Outros assuntos começaram a ser prioridade", explica o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), coordenador da Comissão Externa da Câmara que propôs a nova legislação.
"A questão do pré-sal, Mais Médicos, a reforma política, o marco civil da internet, todos são temas que trancaram a pauta, e o projeto acabou sendo preterido. Agora me parece que pode-se votar o texto na primeira semana de fevereiro".

Mudanças

O projeto inclui a criação de regras nacionais de segurança, a definição de responsabilidades de cada esfera governamental e a criminalização de atos de negligência dos donos de estabelecimentos e dos envolvidos na fiscalização e concessão de alvarás.
O descumprimento de determinações do Corpo de Bombeiros ou do poder público passa a ser crime punido com pena de seis meses a dois anos de detenção mais multa.
A dificuldade em responsabilizar agentes públicos é justamente uma das questões de maior revolta entre os familiares das vítimas.
Um ano depois da tragédia, nenhum deles foi indenizado e nenhum dos oito indiciados pelo incêndio na Boate Kiss foi preso — incluindo dois sócios do estabelecimento e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, cujo disparo de um sinalizador durante um show deu início ao fogo.
"A Constituição de 1988 delegou aos Estados a competência de legislar sobre prevenção de incêndios e aos municípios a concessão dos alvarás. A nova lei implementa um padrão mínimo de exigência em nível nacional e acaba com o jogo de empurra-empurra entre prefeitura e bombeiros. Além disso, o prefeito que compactuar com irregularidades estará incorrendo em crime de responsabilidade, o que o tornará inelegível", explica Pimenta, que é natural de Santa Maria.
Reuters
Policial coloca flores para homenagear as vítimas da boate Kiss, dias depois do incêndio
Caso aprovada, a nova legislação também proibirá o sistema de comandas e criará a exigência de seguro para casas noturnas, bares, cinemas, teatros e estabelecimentos similares com capacidade igual ou superior a cem pessoas, além de prédios públicos.
"Nenhuma empresa privada concede um contrato de seguro sem antes fazer uma vistoria para garantir que todas as condições de segurança estejam em ordem", diz Pimenta.
Para Ivan Ricardo Fernandes, capitão dos bombeiros há 17 anos e professor de uma especialização em segurança contra incêndio da PUC-PR, a criação de padrões nacionais é um passo importante, mas alguns Estados terão mais dificuldades para se adequar às novas exigências.
"O Amazonas tem 400 bombeiros, por exemplo, enquanto o Paraná tem mais de 4 mil. Há muitas diferenças, mas trata-se de um pontapé inicial muito importante. Infelizmente o Brasil ficou muitos anos parado com relação a esse assunto, então agora estamos começando aos poucos", indica.

Dados alarmantes

Ainda em 2013, um estudo do Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), revelou que apenas 14% dos 5570 municípios brasileiros têm bombeiros, e que o país registra cerca de 200 mil incêndios por ano - aproximadamente 500 por dia.
A ONU recomenda um mínimo de um bombeiro para cada mil habitantes. No Brasil, a proporção é de 2.757 pessoas por profissional. Ou seja, para se adequar à recomendação internacional, o país precisaria aumentar em 175% o número de pessoal neste setor.
Fernandes relembra que os Corpos de Bombeiros são estruturados pelos Estados, e não pelos municípios, e explica que a grande maioria das cidades brasileiras não são atendidas nem por bombeiros voluntários.
"Mesmo porque não haveria estrutura logística para isto, como roupas de combate, equipamentos e principalmente caminhões", diz ele.
"No entanto, existe uma área de articulação, onde os municípios que possuem Corpo de Bombeiros chegam a atender outros dez municípios, surgindo aí os problemas de tempo de atendimento, em especial pela distância".
José Carlos Tomina, pesquisador do Laboratório de Segurança ao Fogo e Explosões do IPT, e um dos organizadores do estudo, reforça que apenas 75 cidades brasileiras têm equipes de bombeiros voluntários e diz que, em comparação, "países como Portugal, Estados Unidos e até mesmo o Chile têm praticamente 100% de suas cidades atendidas por equipes de bombeiros".

Desafios e Impactos

Fernandes, que em 2009 criou o primeiro curso de segurança contra incêndio do país (são apenas três até hoje), diz que infelizmente o Brasil ainda segue o padrão de aprender somente com as tragédias, mas que apesar da lentidão das mudanças, o incêndio de Santa Maria já deixa impactos permanentes.
"A questão da lotação máxima de casas noturnas é um desses impactos. Passou-se a observar com muito mais atenção e as pessoas também começaram a levar isso em consideração quando frequentam um lugar", diz.
Para ele a tragédia da Boate Kiss é um episódio emblemático que deu início a um ciclo de mudanças de comportamento.
"São vários fatores. A conscientização das pessoas que frequentam, poder público, iniciativa privada, testagem de materiais inflamáveis, educação, gestão de seguraça contra incêndio e pânico. Estamos tentando fechar um ciclo em torno desse assunto, mesmo que com demora e somente após a tragédia", avalia.
Leo Feijó, diretor do Departamento de Casas Noturnas do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), diz que houve uma conscientização dos donos desses estabelecimentos quanto à lotação máxima.
Fani Torres chora morte da filha há um ano   Foto Julia Dias Carneiro/BBC Brasil
Fani Torres chora morte da filha há um ano Foto Julia Dias Carneiro/BBC Brasil
"Antigamente tinha uma tolerância de 20% acima da capacidade, e acho que isso não existe mais. Ficou mais rígido", avalia. No entanto, ele cobra regras mais claras quanto à emissão das licenças.
"Deveria haver prazos mais claros para os bombeiros e a prefeitura concederem as certificações. Acho que também faltam medidas de caráter educativo e de discussão permanente. Há muita fiscalização, mas deveriam ampliar, conscientizar o público sobre o que devem exigir", diz.

Fiscalização e aprendizado

O coronel Sérgio Simões, comandante do Corpo de Bombeiros e secretário de Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro, acredita que um dos maiores impactos da tragédia foi aumentar o rigor das fiscalizações de locais de reunião de público.
"No Rio de Janeiro, especialmente, se compararmos os números vemos um aumento. Em 2011 foram 911 fiscalizações e em 2013 foram 1727, fora os processos normais de regularização. Estabelecemos uma meta de cem fiscalizações por mês. Uma parte do caminho é essa. A outra é de competência da sociedade", diz.
O especialista Ivan Ricardo Fernandes relembra o uso do cinto de segurança, que após anos e anos de campanhas tornou-se algo rotineiro no país, e diz que algo semelhante deve acontecer com a prevenção de incêndios.
"A gente não pode deixar isso se apagar, temos que deixar o assunto sempre em voga, lembrar o aniversário do acidente com novas exigências, novas medidas, avanços e desafios. O balanço que eu faço é de um saldo positivo. Muita coisa melhorou, mas estamos muito longe do ideal", avalia.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Santa Maria: jovens ainda vivem rotina de tratamento

Kelen Ferreira | Crédito: Júlia Dias Carneiro / BBC Brasil
Kelen Ferreira ficou 15 dias de coma e 78 dias no hospital após incêndio na boate Kiss
Um ano depois da tragédia que matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, muitos sobreviventes ainda vivem uma rotina incansável de tratamento e lutam para superar o trauma.
No Centro Integrado de Assistência às Vítimas de Acidente (Ciava), ambulatório montado pelo governo federal para atender os feridos, cerca de 600 pessoas ainda estão sendo acompanhadas por causa das lesões sofridas no incêndio.
Ana Lúcia Cervi Prado, coordenadora da área de reabilitação, conta que 43 pessoas estão fazendo fisioterapia respiratória e dermatofuncional para tratar cicatrizes e queimaduras de pele.
Kelen Ferreira, de 20 anos, é uma das 22 pessoas que frequenta o local de segunda a sexta.
Alguns dias após o incêndio, a família da jovem chegou a ouvir dos médicos que ela poderia morrer a qualquer instante.
Superados os 15 dias de coma e 78 dias no hospital, Kelen conta, com surpreendente serenidade, como sobreviveu à tragédia.
A jovem sofreu queimaduras de terceiro grau em 20% do corpo e teve que amputar uma das pernas pouco abaixo do joelho. Sua sandália ficou colada ao pé, causando necrose. Mas ela está se acostumando com a prótese e anda para cima e para baixo de muletas.
Kelen teve que fazer enxertos de pele nos braços e nas mãos, que ficaram profundamente queimados. Diz ter passado por momentos de extrema dor. Para ela, no entanto, agora é a coceira que incomoda mais.

Constrangimento

Nos primeiros meses, ela escondia as cicatrizes que cobrem os dois braços debaixo de malhas.
Agora, voltou a usar blusas de manga curta ou alças. "É por saber que a gente vai viver com isso para sempre. Com as marcas físicas e as psicológicas também", afirma.
Kelen perdeu três amigas no incêndio e sofre princípios de pânico sempre que ouve uma ambulância.
Mas não largou a faculdade de terapia ocupacional e está decidida ajudar outras pessoas que sofrem de lesões semelhantes às suas no futuro.
"Quero me formar e retribuir pelo que fizeram por mim, ajudando pessoas na reabilitação física de queimaduras e amputações", diz.
Ela agora tem de conciliar os estudos com as idas diárias à fisioterapia, o atendimento psicológico e as viagens frequentes a Porto Alegre para aplicar corticóides nos braços. O tratamento deve durar pelo menos cinco anos.
"É uma luta todos os dias", diz Kelen, que em dezembro tatuou a palavra "fé" na nuca.

Recuperação

Ana Lúcia Cervi Prado diz que há diversos outros casos como o de Kelen ou de pessoas que tiveram queimaduras ainda mais graves.
"Todas estão se recuperando e retomando a vida e o convívio social. Algumas já voltaram para o emprego ou para a universidade. Mas a maioria não quer se expor", explica.
A fisioterapeuta diz que a situação hoje é mais alentadora que se esperava no início, já que a maioria das pessoas internadas chegou a correr risco de morte.
"Hoje elas estão conseguindo se recuperar e o saldo é positivo, especialmente se lembrarmos de nossa expectativa naquele fatídico dia 27", diz.
Mas as vítimas vão precisar de acompanhamento por muitos anos, já que não se conhecem as consequências do cianeto – gás tóxico produzido quando a espuma que revestia o teto da boate pegou fogo – sobre as vias aéreas.

Trauma

Kelen Ferreira | Julia Dias Carneiro - BBC Brasil
Kelen Ferreira conta que ficou envergonhada das cicatrizes nos primeiros meses
O Ciava tem 28 profissionais e boa parte dos atendimentos é psicológico. Mesmo quem não ficou com marcas físicas do incêndio é assombrado pelo trauma.
Caroline da Luz, de 22 anos, estudava enfermagem mas trancou a universidade.
Não aguentou voltar para a sala de aula depois que 23 de seus colegas de turma morreram.
"Parei por falta de ânimo, falta de vontade. A gente se espanta muito. Sai da sala um dia e está todo mundo lá. Chega no dia seguinte e não tem ninguém", afirma.
Ela conseguiu escapar da boate tomada por fumaça. "Só consegui atravessar a rua, caí sentada e apaguei". Acordou no dia seguinte no hospital, onde passou três meses se recuperando.
Caroline vai a um psicólogo uma vez por semana e diz que o mais difícil é conviver com a lembrança.
"Peguei muito medo. Tenho medo de muita coisa. E quando vem aquele barulho todo de ambulância, volta tudo", confessa.

Coma

Natalia Greff | Crédito: Julia Dias Carneiro - BBC Brasil
Natalia Greff diz que desmaiou na boate e não sabe quem a tirou de lá
A representante comercial Natalia Greff, de 28 anos, até hoje não sabe como sobreviveu. Ela estava com dois amigos na boate. O grupo tinha vindo para Santa Maria de São Paulo e Caxias de Sul para uma reunião de amigos de longa data.
Quando uma cortina de fumaça preta baixou sobre os que estavam na Kiss, ela conseguiu dar poucos passos até bater em uma barreira de corpos caídos.
Os que vinham atrás, desesperados, a empurravam contra os que já haviam desmaiado. Ela desmaiou pouco depois, abraçada a um dos amigos, e não sabe quem a retirou de lá.
"Depois disso, só me lembro da minha cabeça batendo no asfalto enquanto alguém me puxava pelas pernas gritando, pedindo ajuda, dizendo que eu ia morrer", afirma.
Natália ficou em coma por quatro dias e teve alta após nove dias no hospital. Só então soube que os dois amigos haviam morrido.
"Até hoje eu cuspo fuligem e tenho muita tosse. Tenho que fazer fisioterapia respiratória para tentar expelir", conta.
Mas o mais difícil é superar o que aconteceu.
"É surreal. Você pensa que pode estar colocando a sua vida em risco indo para uma festa. Mas em questão de segundos, pode perder a vida do nada."

'Interessa aos dois lados políticos estimular mais protestos', diz analista

Manifestantes do 'Não Vai Ter Copa' viram carro da polícia. Foto: AFP
Manifestantes viraram carro da Guarda Civil no ato 'Não Vai Ter Copa' em SP
A reação social causada pelos "rolezinhos" e os protestos anti-Copa despertam questionamentos quanto a se a população voltará a se mobilizar em massa neste ano – na mesma escala de junho do ano passado.
No sábado, grupos realizaram manifestações em várias cidades brasileiras para protestar contra os gastos do Mundial, em números inferiores aos do ano passado. Em São Paulo, 2,5 mil pessoas participaram de atos intitulados "Não Vai Ter Copa".
Após um protesto pacífico, houve confronto entre a polícia e os manifestantes, e 128 pessoas foram detidas. Um carro foi incendiado e uma viatura da Guarda Civil foi virada pelos manifestantes.
Para o cientista político Carlos Melo, do Instituto de Pesquisa e Ensino de São Paulo (Insper), a classe média está mais desmobilizada agora do que no ano passado, mas para ele "em um ano eleitoral muita coisa pode virar combustível".
Além disso, diz o analista, "interessa para os dois lados (situação e oposição) estimular" a polarização social.
BBC Brasil - Podemos ter a mesma conjuntura de fatores para que os protestos retomem o impulso que tiveram no ano passado?
Carlos Melo - No ano passado, vimos que as manifestações foram perdendo o ímpeto até julho – um mês de férias, assim como janeiro. Isso desarticula qualquer mobilização.
Durante as aulas, os jovens estão nas ruas. Se você quer movimentar a classe média – que é quem faz as críticas à Copa -, não adianta: a classe média está desmobilizada em janeiro.
Além disso, de julho passado para cá houve o fenômeno dos black blocs, que assustou muita gente que havia apoiado a ida de seus filhos às manifestações iniciais. Isso também provocou um esvaziamento.
Claro que não há como prever, mas (no momento) não há o potencial de ocorrer (a mobilização) que pode se concretizar mais para frente.
BBC Brasil - Mas podemos esperar mais mobilizações?
Carlos Melo - Vai depender de como o processo for conduzido. A Copa é um elemento que agrega certa tensão – se dizia que ela traria um grande ganho de mobilidade urbana para as cidades-sede, que não ocorrerá, e isso traz muita frustração.
Ato 'Não Vai Ter Copa' em SP. Foto: AFP
Manifestante do 'Não Vai Ter Copa' em SP ataca caixas eletrônicos na av. Consolação
E estamos em um ano de eleição, em que há manipulação dos dois lados. A setores de oposição interessa aguçar as críticas ao governo, e a setores (governistas) interessa aguçar críticas opostas.
Uma parte do país só vê o copo meio cheio (com relação à situação socioeconômica) e está satisfeita com isso; outra parte vê o copo meio vazio e está insatisfeita. Temos hoje uma sociedade polarizada, e esses dois grupos não conseguem dialogar.
Essa tensão tende a continuar, e interessa para os dois lados estimular isso.
BBC Brasil - Como os "rolezinhos" se inserem nesse contexto?
Carlos Melo - A primeira onda de "rolezinhos" não teve protesto algum. Era mais uma balada de jovens da periferia, e em toda reunião de massas pode-se perder o controle – ao mesmo tempo, não é da natureza dos shoppings (receber um contingente tão grande de pessoas de uma vez).
À medida que os shoppings reagiram acionando a polícia e obtendo liminares na Justiça, essa atividade social passou a ser apropriada politicamente. Nesse sentido, há semelhanças com o que aconteceu no ano passado.
Manifestações sociais sem conteúdo político-partidário acabam ganhando dimensão política que inicialmente não tinham, por conta de erros em seu tratamento.
Se pode ampliar? Sim, é possível: em um ano eleitoral como este, muita coisa pode virar combustível.
BBC Brasil - Muito se falou da dispersão do foco dos manifestantes após ter-se conseguido reverter o aumento no preço das passagens do transporte público. Agora, protestos estão sendo convocados contra a Copa. Será que a Copa pode representar esse novo foco?
Carlos Melo - É o que a gente vai ver. Acho que tem muita gente simplesmente interessada em assistir à Copa, em se o Brasil vai jogar bem ou não.
Mas se 10% da população brasileira estiver indignada, isso já são 20 milhões de pessoas. Já é suficiente para um baita barulho – e é possível fazer um grande barulho mesmo com uma parte minoritária da sociedade.
Isso, aliás, leva a outra discussão, que é essa confusão sobre o que é democracia – que além de votar e exercer a liberdade de expressão, é também observar direitos e deveres. Não é apenas parar a cidade (com um protesto) porque isso é democrático. Ou seja, dá para ser bastante autoritário agindo em nome da democracia.
BBC Brasil - Desse ângulo, aprendemos pouco com os protestos do ano passado?
Carlos Melo - Um lado positivo é que eles revelaram um mal-estar social, (mostrando) que aquele clima ufanista que reinava era absolutamente sem sentido.
Os protestos mostraram que precisamos aprimorar nossa sociedade.

Papa pede diálogo construtivo na Ucrânia


O papa Francisco pediu neste domingo o fim da violência na Ucrânia depois que pelo menos três pessoas morreram durante confrontos na crise que já dura dois meses.
Polícia e manifestantes em Kiev voltaram a entrar em choque neste domingo durante protestos contra a súbita mudança de apoio do presidente Viktor Yanukovich em direção à Rússia e em detrimento da União Europeia. A Ucrânia se tornou independente em 1991, com o colapso da União Soviética.
"Eu perto da Ucrânia em minhas orações, em particular daqueles que perderam suas vidas nos últimos dias e das suas famílias", disse o papa Francisco em pronunciamento semanal na Praça São Pedro.
"Eu espero que um diálogo construtivo entre as instituições e a sociedade civil aconteça, que qualquer resquício de violência seja evitado e que o espírito da paz e a busca pelo bem comum estejam nos corações de todos."
Grandes manifestações contra o governo de Yanukovich têm ocorrido desde novembro, depois que ele retirou o país de um acordo de livre comércio de três anos com a UE em favor de laços econômicos mais próximos com a Rússia.
As manifestações desde estão se transformaram em protestos contra corrupção entre os líderes e autoridades da Ucrânia.

Dilma estreita laços com Cuba em cúpula continental sem EUA e Canadá

Raúl Castro e Dilma Rousseff | Crédito: Reuters
Em visita a Cuba, Dilma deve agradecer governo de Raúl Castro por envio de médicos
A presidente Dilma Rousseff desembarca neste domingo em Cuba com o objetivo de estreitar os laços com Havana e participar da 2ª cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos).
O voo veio de Lisboa, onde a presidente passou a noite. A escala não estava prevista inicialmente na agenda oficial. Antes da parada na capital portuguesa, ela estava em Davos, na Suíça, onde participou do Fórum Econômico Mundial.
A própria realização da Celac, criada no México em 2011, pode ser entendida por analistas como uma mensagem política direcionada a Washington – uma vez que o grupo de 33 países participantes engloba quase todo o continente americano, excluindo os Estados Unidos e o Canadá.
"Trata-se de países da América Latina e das Antilhas participando de um órgão não central, isso tem um significado político", disse o professor Tullo Vigevani especialista do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp.
Dilma Rousseff também se reunirá com o presidente Raúl Castro na segunda-feira – ocasião em que deve agradecer ao mandatário pelo envio de médicos ao Brasil.
Os médicos cubanos compõem hoje o maior contingente de mão de obra do programa Mais Médicos, que deve ser um dos elementos de propaganda da campanha de reeleição da presidente no fim deste ano.
Ela deve participar ainda da inauguração do porto de Mariel, cuja maior parte da construção foi realizada pela brasileira Odebrecht – com financiamento de US$ 957 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
A obra – um dos maiores projetos da ilha desde a Revolução de 1959 – começou em 2010 e tem como objetivo transformar Mariel em um dos principais portos da América Latina. O projeto é visto por analistas como parte das reformas econômicas que vêm sendo promovidas pelo regime de Raúl Castro.
Contudo, o financiamento recebeu fortes críticas da oposição brasileira, que acusa o PT de gastar mais dinheiro em Mariel do que em portos do Brasil. Já parte do empresariado vê o projeto com desconfiança, duvidando da capacidade cubana de honrar o financiamento.

Celac

A Celac é uma comunidade relativamente nova, que tem como uma de suas principais finalidades resolver conflitos políticos regionais, porém com autonomia em relação aos Estados Unidos, explica o professor Luís Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da Unesp.
Segundo ele, a Celac difere de outras comunidades de países. Não visa, por exemplo, uma integração regional profunda entre os países, nos moldes da União Europeia. Nem pretende substituir a OEA (Organização dos Estados Americanos), na qual EUA e Canadá estão presentes.
Em tese poderia ser usada para lidar com um eventual golpe de Estado ou situação de desrespeito a legalidade democrática.
"A Celac poderia ter importância na resolução de crises como, por exemplo, a do Manoel Zelaya (deposto em 2009 em Honduras)", disse Vingevani.
Segundo ele, ela deverá ser usada pela Argentina para tratar da questão das ilhas Malvinas (Falkland para os britânicos) sem sofrer oposição das grandes potências. Também pode ser usada por Cuba para a condenação do embargo imposto pelos Estados Unidos.
Contudo, segundo ele, a comunidade não prevê mecanismos de pressão como a emissão de resoluções ou instituição de embargos. "Ela não tem poderes; sua capacidade efetiva depende do interesse político das nações", disse.
Ou seja, a crise pode ser discutida no espaço da comunidade, mas qualquer ação concreta ainda dependeria do estabelecimento de um acordo entre os participantes.
Segundo Tatiana Berringer, especialista em relações internacionais da Faculdade Faap, de São Paulo, a Celac também pode ser entendida como um compromisso de cooperação entre Estados vizinhos com base no desenvolvimento.
"A Celac é um organismo político importante porque tem o objetivo de coordenar políticas de combate a desigualdades sociais. Representa um marco para a integração mas tem um caráter político. É a primeira iniciativa com esse contorno", disse.
Já na opinião de Vingevani, apesar de ser um órgão importante, a comunidade não seria prioridade nas relações internacionais da maioria de seus participantes.
Segundo ele, no México, por exemplo, algumas autoridades enxergam nela uma oportunidade de manter laços com a América Latina e a América do Sul independente de sua ligação com os Estados Unidos.
Cuba, por sua vez, estaria mais ligada à Alba (Aliança Bolivariana para as Américas), porém tem na Celac um canal importante de contato com as nações sul-americanas.
"Também não é prioridade para a política externa brasileira, mas é um instrumento para acordos e ações regionais", disse.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Após rumores sobre traição, Hollande anuncia separação

Valerie Trierweiler e François Hollande | Crédito: Reuters
Valerie Trierweiler e François Hollande já não estão mais juntos
O presidente da França, François Hollande, anunciou na tarde deste sábado sua separação da jornalista francesa e primeira-dama do país, Valérie Trierweiler.
O anúncio foi feito por meio de um comunicado enviado por Hollande à agência de notícias estatal AFP e já era esperado pela imprensa local. Mesmo assim, causou surpresa, uma vez que o Palácio do Eliseu, sede do governo francês, havia repetidamente desmentido informações sobre os "rumores" de que o casal se separaria.
Na nota, Hollande afirmou que decidiu pôr fim "à vida comum" com Trierweiler, em meio a rumores de que ele a teria traído com a atriz francesa Julie Gayet.
A suposta traição do presidente francês foi noticiada em uma reportagem exclusiva da revista francesa Closer há duas semanas e, rapidamente, ganhou as páginas da imprensa internacional.
Segundo a publicação, Hollande se encontrava com Gayet no apartamento da atriz em Paris, a capital francesa. O affair teria a anuência de funcionários do alto escalão do governo.
Após as revelações, Trierweiler permaneceu hospitalizada durante duas semanas.
O caso foi alvo de acalorados debates na França e opôs defensores da privacidade do presidente a críticos de que suas "escapadas noturnas" poderiam colocar a segurança do país em risco.
Além disso, os boatos desgastaram ainda mais a imagem de Hollande, cada vez mais impopular devido à crise pela qual a França atravessa.
O presidente francês, que até agora não negou os boatos sobre a traição, já havia afirmado estar passando por um "momento difícil" em seu relacionamento com Trierweiler.
Na ocasião, ele prometeu esclarecer a situação antes de sua visita oficial a Washington, capital dos Estados Unidos, em 11 de fevereiro.

Polêmica

Na última terça-feira, Trierweiler demitiu seu advogado que afirmou que ela estava buscando terminar seu relacionamento com Hollande "da forma mais digna possível".
A jornalista, que continua trabalhando para a revista francesa Paris-Match, deve viajar à Índia neste domingo para apoiar o trabalho da ONG francesa Action Against Hunger.
Julie Gayet | Crédito: AFP
Atriz francesa Julie Gayet seria pivô da separação
Desde que saiu do hospital, Trierweiler vinha permanecendo na residência oficial de La Lanterne, próxima a Versalhes, nos arredores da região metropolitana de Paris.
"Ele (Holande) a consultou e a comunicou sobre a intenção de se separar; ela já aceita a situação como um fato consumado, mas o deixou tomar a iniciativa", afirmou uma fonte próxima à jornalista ao jornal francês Le Parisien.
Trierweiler e Holande nunca se casaram oficialmente. Trierweiler anunciou que os dois estavam juntos apenas seis meses depois que o presidente francês havia deixado a sua então esposa, a ex-candidata à Presidência Ségolène Royal, com quem tem quatro filhos.
Já a atriz francesa Julie Gayet anunciou que está processando a revista Closer por violação de privacidade.
A publicação afirmou que o affair entre Hollande e Gayet começou ainda durante a corrida presidencial de 2012.

Ex-escravos lembram rotina em fazenda nazista no interior de SP

Em uma fazenda no interior de São Paulo, 160 km a oeste da capital, um time de futebol posa para uma foto comemorativa. Mas o que torna a imagem extraordinária é o símbolo na bandeira do time - uma suástica.
A foto, provavelmente, foi tirada após a ascensão nazista na Alemanha, na década de 1930.
"Nada explicava a presença dessa suástica aqui", conta José Ricardo Rosa Maciel, ex-dono da remota fazenda Cruzeiro do Sul, perto de Campina do Monte Alegre, que encontrou a foto, por acaso, um dia.
Mas essa foi, na verdade, sua segunda e intrigante descoberta. A primeira tinha ocorrido no chiqueiro.
"Um dia, os porcos quebraram uma parede e fugiram para o campo", ele disse. "Notei que os tijolos tinham caído. Achei que estava tendo alucinações".
Na parte debaixo de cada tijolo estava gravada uma suástica.
É sabido que no período que antecedeu a Segunda Guerra, o Brasil tinha fortes vínculos com a Alemanha Nazista. Os dois países eram parceiros comerciais e o Brasil tinha o maior partido fascista fora da Europa, com mais de 40 mil integrantes.
Mas levou anos para que Maciel, com o auxílio do historiador Sidney Aguillar Filho, conhecesse a terrível história que conectava sua fazenda aos fascistas brasileiros.

Ação Integralista

Filho descobriu que a fazenda tinha pertencido aos Rocha Miranda, uma família de industriais ricos do Rio de Janeiro. Três deles - o pai, Renato, e dois filhos, Otávio e Osvaldo - eram membros da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização de extrema direita simpatizante do Nazismo.
A família às vezes organizava eventos na fazenda, recebendo milhares de membros do partido. Mas também existia no lugar um campo brutal de trabalhos forçados para crianças negras abandonadas.
"Descobri a história de 50 meninos com idades em torno de 10 anos que tinham sido tirados de um orfanato no Rio", conta o historiador. "Foram três levas. O primeiro grupo, em 1933, tinha dez (crianças)".
Aloysio Silva
Aloysio Silva era conhecido apenas pelo número 23
Osvaldo Rocha Miranda solicitou a guarda legal dos órfãos, segundo documentos encontrados por Filho. O pedido foi atendido.
"Ele enviou seu motorista, que nos colocou em um canto", conta Aloysio da Silva, um dos primeiros meninos levados para trabalhar na fazenda, hoje com 90 anos de idade.
"Osvaldo apontava com uma bengala - 'Coloca aquele no canto de lá, esse no de cá'. De 20 meninos, ele pegou dez".
"Ele prometeu o mundo - que iríamos jogar futebol, andar a cavalo. Mas não tinha nada disso. Todos os dez tinham de arrancar ervas daninhas com um ancinho e limpar a fazenda. Fui enganado".
As crianças eram espancadas regularmente com uma palmatória. Não eram chamadas pelo nome, mas por números. Silva era o número 23.
Cães de guarda mantinham as crianças na linha.
"Um se chamava Veneno, o macho. A fêmea se chamava Confiança", conta Silva, que ainda mora na região. "Evito falar sobre esse assunto".
Até as vacas da fazenda recebiam a suástica
Argemiro dos Santos é outro dos sobreviventes. Quando menino, foi encontrado nas ruas e levado para um orfanato. Um dia, Rocha Miranda veio buscá-lo.

Integralismo Brasileiro

O Integralismo brasileiro foi um movimento político fascista fundado no país em 1932
Adotou alguns dos conceitos básicos do Fascismo europeu - uma ala paramilitar uniformizada, demonstrações de rua e retórica anti-Marxista
Pregava o nacionalismo como identidade espiritual compartilhada
Apesar de seu slogan - "União de todas as raças e povos" - muitos dos seus integrantes eram antisemitas
O movimento foi incorporado pelo presidente Getúlio Vargas, que instaurou uma ditadura no Brasil em 1937
Inicialmente, o Brasil adotou posição de neutralidade na Segunda Guerra Mundial, mas em 1942 se uniu aos Aliados.
Vargas foi forçado a deixar o posto em 1945, suicidando-se
Após a Segunda Guerra, vários nazistas fugiram para a América do Sul - o notório Josef Mengele conseguiu evitar captura durante décadas e morreu no Brasil em 1979
"Eles não gostavam de negros", conta Santos, hoje com 89 anos.
"Havia castigos, deixavam a gente sem comida ou nos batiam com a palmatória. Doía muito. Duas batidas, às vezes. O máximo eram cinco, porque uma pessoa não aguentava".
"Eles tinham fotografias de Hitler e você era obrigado a fazer uma saudação. Eu não entendia nada daquilo".
Alguns dos descendentes da família Rocha Miranda dizem que seus antepassados deixaram de apoiar o Nazismo antes da Segunda Guerra Mundial.
Maurice Rocha Miranda, sobrinho-bisneto de Otávio e Osvaldo, também nega que as crianças eram mantidas na fazenda como "escravos".
Em entrevista à Folha de São Paulo, ele disse que os órfãos na fazenda "tinham de ser controlados mas nunca foram punidos ou escravizados".
O historiador Sidney Aguillar Filho, no entanto, acredita nas histórias dos sobreviventes. E apesar da passagem do tempo, ambos Silva e Santos - que nunca mais se encontraram desde o tempo em que viveram na fazenda - fazem relatos muito parecidos e perturbadores de suas experiências.
Para os órfãos, os únicos momentos de alegria eram os jogos de futebol contra times de trabalhadores das fazendas locais, como aquele em que foi tirada a foto onde se vê a bandeira com a suástica. (O futebol tinha papel fundamental na ideologia integralista.)
Argemiro Santos ainda guarda a medalha de ouro que ganhou
"A gente se reunia para bater bola e a coisa foi crescendo", diz Santos. "Tínhamos campeonatos, éramos bons de futebol."
Mas depois de vários anos, ele não aguentava mais.
"Tinha um portão (na fazenda) e um dia eu o deixei aberto", ele conta. "Naquela noite, eu fugi. Ninguém viu".
Santos voltou ao Rio onde, aos 14 anos de idade, passou a dormir na rua e trabalhar como vendedor de jornais. Em 1942, quando Brasil declarou guerra contra a Alemanha, Santos se alistou na Marinha como taifeiro, servindo mesas e lavando louça.
Depois de trabalhar para nazistas, Santos passou a lutar contra eles.
"Estava apenas prestando um serviço para o Brasil", explica. "Não sentia ódio por Hitler, não sabia quem ele era".
Santos saiu em patrulha pela Europa e depois passou um período, ainda durante a guerra, trabalhando em navios que caçavam submarinos na costa brasileira.
Hoje, Santos é conhecido, na comunidade onde vive, pelo apelido de Marujo. E se orgulha de um certificado e uma medalha que recebeu em reconhecimento por seus serviços durante a guerra.
Mas ele também é famoso por suas proezas futebolísticas, jogando como meio de campo em vários grandes times brasileiros na década de 1940.
"Naquela época, não existiam jogadores profissionais, éramos todos amadores", diz. "Joguei para o Fluminense, Botafogo, Vasco da Gama... Os jogadores eram todos vendedores de jornais e lustradores de sapatos".
Hoje, Santos vive uma vida tranquila com a esposa, Guilhermina, no sudoeste do Brasil. Eles estão casados há 61 anos.
"Eu gosto de tocar meu trompete, de sentar na varanda e tomar uma cerveja gelada. Tenho muitos amigos e eles sempre aparecem para bater papo", conta.
As lembranças do tempo difícil que passou na fazenda, no entanto, são difíceis de apagar.
"Quem diz que sempre teve uma vida boa desde que nasceu está mentindo", diz Santos. "Na vida de todo mundo acontecem coisas ruins".

Peixes possuem mecanismo genético 'desligado' para ter dedos, diz estudo

Peixe-zebra (SPL)
Cientistas usaram o peixe paulistinha, ou peixe-zebra, para estudo
Um estudo de pesquisadores da Universidade de Genebra, na Suíça, sugere que peixes possuem o dispositivo genético para ter dedos, mas que este dispositivo está "desligado".
A pesquisa, publicada na revista especializada Plos Biology, esclarece como alguns peixes evoluíram em animais terrestres há milhões de anos.
Os cientistas afirmaram que, para que os peixes fizessem a transição da água para a terra, uma arquitetura de DNA já existente teve que ser "sequestrada" para que os dedos fossem criados.
Já se sabia que os genes para a formação de membros eram encontrados em peixes, mas ainda não se sabia como eles evoluíram para a formação de dedos.
Os cientistas usaram o peixe-zebra, também conhecido como paulistinha, como modelo.
Joos Woltering, que liderou a pesquisa, afirmou que estava interessado na "antiga questão evolucionária: como os membros se desenvolveram a partir das barbatanas de peixes ancestrais?"
Para responder a esta pergunta, Woltering e a equipe analisaram a genética de uma barbatana e o desenvolvimento de membros no peixe-zebra e em camundongos.
O cientista suíço estava particularmente interessado na divisão entre mão (ou dedos) e braço que não existe em barbatanas de peixes e é "considerada uma das maiores inovações morfológicas durante a transição de barbatana para membros".

Genes 'arquitetos'

Os tetrápodes, as primeiras criaturas quadrúpedes que caminharam pela Terra, evoluíram saindo da água há cerca de 380 milhões de anos em uma era conhecida como Período Devoniano, com frequência chamado de "a era do peixe".
Peixes e animais terrestres têm conjuntos de genes chamados HoxA e HoxD e sabe-se que ambos são essenciais no desenvolvimento de barbatanas e membros.
Estes genes Hox são, algumas vezes, chamados de "genes arquitetos", pois eles estão envolvidos na criação de muitas das estruturas físicas que um animal tem.
No entanto, quando estes genes Hox de peixes foram implantados em embriões de camundongos, os genes que resultaram no braço foram ligados, mas não os genes responsáveis pela mão ou dedos.
Segundo a pesquisa, isto sugere que a informação genética necessária para fazer os membros do tetrápodes já estava presente nos peixes antes mesmo do surgimento do tetrápode.
Tiktaalik (Arquivo/SPL)
Acredita-se que o tiktaalik, já extinto, foi importante na transição entre peixes e tetrápodes
"Durante a embriogênese é muito importante que os genes de desenvolvimento sejam ligados exatamente no momento e no lugar certo para garantir o desenvolvimento de um organismo adulto completo, coerente e com bom funcionamento", disse Woltering à BBC.
"O resultado mais surpreendente é que descobrimos (DNA em peixes) que é quase idêntico ao DNA mais complexo que encontramos no camundongo", acrescentou.
Outra conclusão importante do estudo é que as barbatanas de peixes não são equivalentes aos membros dos tetrápodes. Ao invés disso, a evolução dos dedos em animais terrestres envolveu a reorientação de uma infraestrutura genética já existente.
"Isto sugere que nossos dedos evoluíram durante a transição da barbatana para membro ao modernizar um mecanismo regulatório já existente", afirmou o outro autor da pesquisa, Denis Duboule.

Críticas

Outros pesquisadores que trabalham neste campo afirmam que o estudo suíço tem alguns erros.
Arquivo/AP
Outros especialistas afirmam que cientistas suíços poderiam ter usado outros peixes
Jennifer Clack, do Museu de Zoologia da Universidade de Cambridge, na Grã-Bretanha, afirmou que usar o peixe-zebra como modelo para as experiência foi uma escolha ruim.
"Sabemos que este animal, e, por dedução, seus parentes... não têm algumas das fases de desenvolvimento que fizeram os dedos nos tetrápodes", explicou.
Outro especialista que desaprova a pesquisa dos suíços é Per Ahlberg, da Universidade de Uppsala, na Suécia. Para ele, a análise molecular feita pelos cientistas de Genebra foi de alta qualidade, mas as conclusões evolucionárias apresentam falhas.
"Toda esta dedução é baseada no pressuposto de que o esqueleto da barbatana do peixe-zebra é razoavelmente representativo das condições ancestrais para os tetrápodes, mas simplesmente não é", disse.
"Essencialmente, o esturjão moderno, o peixe-agulha (...) têm esqueletos de barbatanas que são razoavelmente próximos das condições ancestrais compartilhadas para camundongo e peixe-zebra", acrescentou.