Os policiais do estado do Rio mataram ao menos 645 pessoas em 2015 e
mais de 8.000 na década passada, é o que denuncia um longo relatório
divulgado nesta quinta-feira pela ONG Human Rights Watch.
Diante destas cifras, fica a pergunta: é possível ser um bom policial no perigoso Rio de Janeiro?
A HRW denuncia em seu estudo as dezenas de execuções extrajudiciais
pelas mãos dos que devem proteger a população e a impunidade destes
crimes a menos de um mês da inauguração dos Jogos Olímpicos do Rio, no
dia 5 de agosto.
A HRW identificou 64 casos nos últimos oito anos, nos quais a polícia
do Rio tentou acobertar massacres ilegais e que deixaram 116 mortos,
incluindo ao menos 24 crianças.
"Matar criminosos era exigido por meus superiores como forma de
mostrar um bom desempenho", disse à HRW um dos mais de 30 policiais
entrevistados para o relatório, que não fornecem seu nome por medo de
represálias fatais de seus colegas.
"Danilo" (nome fictício), como é identificado este policial que
depois de se formar foi enviado a um dos bairros pobres mais perigosos
do Rio, disse ter participado de operações para matar traficantes de
drogas com a meta de diminuir a criminalidade.
Segundo este policial ainda em atividade, alguns de seus colegas
também sequestram traficantes, obtêm pilhagens e depois os matam. Outros
assassinam traficantes para ser reconhecidos como assassinos e,
portanto, poder extorqui-los mais facilmente.
Para esconder os crimes, os policiais às vezes plantam armas ou
drogas perto das pessoas que executaram. E, por vezes, ameaçam
testemunhas para que não contem a verdade.
Em 2011, por exemplo, torturaram e mataram o filho de 14 anos de uma
testemunha de uma execução na favela do Salgueiro para intimidá-la,
segundo apontaram ao HRW.
Para cada policial que morreu em serviço em 2015, a polícia matou 24
civis, uma taxa duas vezes maior que na África do Sul e três vezes maior
que nos Estados Unidos.
Os abusos cometidos por alguns policiais colocam em risco toda a
corporação e tornam ainda mais perigoso seu trabalho nas favelas, alerta
o HRW.
Com colegas assim, é difícil ser um policial honesto, afirma o
documento "O bom policial tem medo: os custos da violência policial no
Rio".
"As execuções ilegais pelas mãos de colegas policiais tornam um
trabalho já perigoso em ainda mais perigoso" e encorajam a ira da
população em relação às forças de ordem, afirma a HRW.
Em razão dos abusos policias, os moradores das favelas não alertam a
polícia do perigo, e os próprios criminosos não se rendem quando
suspeitam que serão torturados ou mortos.
A situação é especialmente complicada para os agentes que moram nas
favelas, que escondem suas identidades dos vizinhos e não podem se quer
lavar seus uniformes em casa.
Mas denunciar os colegas corruptos também pode levar à morte.
"O policial que quer fazer o seu trabalho direito no Rio de Janeiro
tem medo. Tem mais medo de seus colegas policia do que de outros
criminosos. Porque se denunciar um ato de delito por parte de outros
policiais - corrupção, execuções, torturas - corre risco de morte",
explicou à AFP César Muñoz, investigador do HRW responsável pelo
relatório.
O Procurador-Geral de Justiça do estado do Rio de Janeiro, Marfan
Martins Vieira, disse à ONG de defesa dos direitos humanos que uma
grande porcentagem dos tiroteios reportados pela polícia foram
"simulados", mas admitiu que seu gabinete denunciou um número muito
pequeno de homicídios cometidos pela polícia.
Vieira acusa a polícia civil, encarregada de investigar os
homicídios, de não realizar bem seu trabalho. Mas a HRW afirma que "a
responsabilidade por colocar fim a esta impunidade nos últimos tempos
recai sobre o gabinete do procurador-geral do Rio de Janeiro, que tem
autoridade legal para supervisionar o trabalho de investigadores
policiais, assim como de realizar suas próprias investigações".
Dos 64 casos identificados pela HRW, apenas oito foram a julgamento, e
apenas quatro terminaram com a detenção de policiais envolvidos em
assassinatos.
No entanto, a ONG elogiou algumas iniciativas recentes, como a
criação há seis meses de um grupo de fiscais para denunciar os abusos
cometidos por policiais e nas prisões um programa piloto que obriga os
policiais a trabalhar com câmeras instaladas em suas roupas.
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