A bioluminescência, ou o processo biológico pelo qual
animais, como o vaga-lume e a água-viva, emitem luz a partir de suas
células, já provocou revoluções importantes na ciência, especialmente na
área da saúde.
As proteínas da bioluminescência foram usadas
como ferramentas na descoberta de novos medicamentos e têm sido
aplicadas amplamente na pesquisa biomédica, na qual são usadas para
estudar os processos biológicos das células vivas.
Mas, agora, muitos cientistas estão
tentando aplicar os conceitos dessa "luz natural" em atividades como a
melhoria do cultivo de alimentos, a detecção da poluição ou até mesmo a
iluminação pública.
Uma das ideias, por exemplo, é desenvolver
árvores que emitam luz e, dessa forma, possam ser usadas para iluminar
as ruas de uma cidade.
Darwin
Charles Darwin, o pai da Teoria da Evolução, foi um dos primeiros cientistas modernos a documentar o processo.
Na noite de janeiro de 1832, próximo à costa de Tenerife, na Espanha, o jovem Darwin vagava pelo convés do navio HMS Beagle.
Enquanto olhava distraído para o mar, ele foi surpreendido por um brilho sobrenatural vindo de dentro do oceano.
"O mar estava iluminado por inúmeros pontinhos
que, no rastro do navio, deixavam uma cor levemente leitosa, quase
uniforme", escreveu Darwin.
"Quando a água era colocada em uma garrafa, soltava umas faíscas por alguns minutos, antes de se encolher", acrescentou.
Darwin estava quase certo ao descrever a luz emitida pelos minúsculos organismos marinhos chamados dinoflagelados.
A análise do pai da Teoria da Evolução sobre o
fenômeno foi trazida à tona anos depois pelo professor Anthony Campbell,
que analisou as notas manuscritas de Darwin guardadas na Universidade
de Cambridge, na Inglaterra.
Depois de Darwin, demorou mais de um século até que um experimento prático fosse feito para estudar a bioluminescência.
Campbell, da Universidade de Cardiff, no País de
Gales, realizou uma pesquisa pioneira durante os anos 70 e 80, levando à
descoberta de que criaturas vivas produzem luz usando enzimas
especiais, chamadas luciferases.
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Relatos de bioluminescência já foram encontrados em manuscritos de Charles Darwin
Essas enzimas participam de uma reação química nas células, que são responsáveis pela emissão de luz.
"Quando eu comecei a pesquisar bioluminescência
40 anos atrás, na escola de medicina de Cardiff, muitas pessoas me
olharam estranho e disseram: "Que diabos esse sujeito está fazendo ao
trabalhar com animais marinhos? Ele veio de Cambridge para fazer
pesquisa médica", conta Campbell.
Mercado amplo
Mas o cientista estava prestes a explicar o
potencial daquele fenômeno. Tendo descoberto as enzimas envolvidas na
bioluminescência, ele percebeu que combinando luciferases com outras
moléculas, era possível aproveitar a emissão de luz para mensurar
processos biológicos.
Isso pavimentaria o caminho para uma revolução na pesquisa médica e no diagnóstico clínico.
Campbell identificou, por exemplo, que, ao unir a
enzima da luminescência a um anticorpo - ou seja, a molécula produzida
pelo sistema imunológico humano para autoproteção -, podia diagnosticar
uma doença.
Isso permitiu aos médicos dispensar os marcadores radioativos que até então eram usados nesses testes.
"Esse mercado é agora avaliado em 20 bilhões de
libras (R$ 65 bilhões). Qualquer um que vá a um hospital e se submeta a
um exame de sangue que meça proteínas virais, proteínas do câncer,
hormônios, vitaminas, proteínas de bactérias, drogas, com certeza,
estará usando essa técnica", afirmou Campbell à BBC.
"Um departamento universitário que não recorra a tais técnicas, não pode ser considerado atualmente de ponta."
Problemas de contaminação
Outras aplicações do processo ainda estão sendo
pesquisadas. Na Universidade de Lausanne, na Suíça, o professor Jan Van
der Meer desenvolveu um teste para detectar a presença de arsênio na
água potável, usando para isso uma bactéria geneticamente modificada.
"A
bioluminescência já permitiu grandes descobertas na biologia e na
medicina, além de ter criado um mercado de bilhões de dólares."
Steven Campbell, professor da Universidade de Cardiff
A contaminação por arsênio nos lençóis freáticos
é um problema grave em algumas partes do mundo, especialmente em
Bangladesh, na Índia, no Laos e no Vietnã.
Os micróbios de Van der Meer foram concebidos
para emitir luz quando tivessem contato com componentes em que o arsênio
estivesse presente.
O experimento consistiu em injetar água
potencialmente contaminada em frascos, ativando a bactéria geneticamente
modificada dormente.
O ponto em que as bactérias emitem luz foi então
medido para determinar uma indicação das concentrações da substância
mortal na água.
O trabalho de Van der Meer está sendo agora
comercializado pela empresa alemã Arsoluz. Segundo ele, os kits baseados
na bactéria podem ser usados para amostras múltiplas, requerem menos
materiais do que outros kits tradicionais e são mais fáceis de preparar.
Mas obstáculos regulatórios ainda impedem o uso
desse tipo de exame nesses países. Diz Van der Meer: "No fim das contas,
trata-se de razões mercadológicas (...) coisas que vão além do seu
trabalho como cientista."
As chamadas proteínas arco-íris (um subproduto
do trabalho com a bioluminescência), que mudam de cor em resposta a
componentes específicos, também são uma opção para detectar toxinas, ou
potentes agentes de terrorismo, como o antraz.
Aplicações práticas
Há inúmeras aplicações para a bioluminescência:
uma companhia americana recorreu ao processo para produzir bebidas que
brilham para venda em casas noturnas.
Outros pesquisadores chegaram até a modificar as
plantas para que possam emitir luz. Assim, elas podem indicam quando
precisam de água ou nutrientes, um sinal de doença ou uma infestação.
No entanto, a controvérsia em torno dos alimentos transgênicos até agora fez com que essas ideias não alçassem voos mais altos.
Há alguns anos, uma equipe de estudantes de
graduação da Universidade de Cambridge pesquisou a ideia das árvores
luminescentes que atuam como "luminárias" naturais.
Esforços anteriores de criar em laboratório
plantas que emitem luz se concentraram em usar o gene luciferase
derivado de vaga-lumes.
Mas essas plantas só podiam produzir luz quando alimentadas com uma substância química cara chamada luciferina.
O método usado pela equipe de Cambridge,
entretanto, baseou-se em agrupamentos de bactérias que produzem seus
próprios compostos de bioluminescência e que, por isso, é mais barato,
porque permite às plantas se alimentarem de nutrientes normais.
Plantas e árvores
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Poderão um dias as árvores substituir os postes de luz nas ruas?
Em 2010, uma outra equipe de pesquisadores
publicou um estudo em que dizem ter demonstrado que tais métodos podem
ser usados para criar plantas que emitem luz sem a necessidade de
suplementos químicos.
O grupo, formado por cientistas israelenses e
americanos, inseriu genes emissores de luz de uma bactéria nos
cloroplastos das plantas - as estruturas em suas células responsáveis
pela conversão da energia solar em luz.
Sanderson, que agora trabalha no Instituto
Sanger, perto de Cambridge, disse que o experimento foi uma escolha
acertada, pois os cloroplastos são essencialmente bactérias que foram
incorporadas às células das plantas e, portanto, podem ser facilmente
ativar o gene da bioluminescência sem a necessidade de outras
alterações.
Mas os pesquisadores precisarão ainda encontrar
formas de aumentar a emissão de luz de tais organismos de laboratório
para que árvores geneticamente modificadas possam iluminar aglomerações
urbanas.
Campbell diz que o potencial das proteínas
luminescentes na descoberta de novas drogas e na pesquisa médica ainda
não foi totalmente aproveitado e, por isso, ele está atualmente
colaborando com um projeto para usar a substância luciferase na
investigação sobre a doença de Alzheimer.
As criaturas bioluminescentes também podem
fornecer meios para estudar as mudanças climáticas nos oceanos. Alguns
animais obtêm os compostos químicos responsáveis pela emissão de luz de
outros organismos dos quais eles se alimentam.
Assim, o estudo das interações entre essas espécies podem ajudar os cientistas a detectar alterações nas faunas marinhas.
Apesar do impacto no diagnóstico clínico e na
pesquisa, Campbell desta que ele só recebeu uma única doação financeira
por sua pesquisa sobre a bioluminescência.
"No entanto, trata-se de um tema que já permitiu
grandes descobertas na biologia e na medicina, além de ter criado um
mercado de bilhões de dólares."