Os
protestos das últimas semanas abriram um amplo debate sobre os custos e
impactos econômicos da realização da Copa do Mundo no Brasil.
Alguns manifestantes chegam a defender um
boicote ao evento em protesto contra o que consideram um desperdício de
recursos públicos. Para eles, as entidades governamentais deveriam estar
investindo em educação e hospitais os bilhões usados para construir
estádios e outras obras ligadas ao evento.
O ex-jogador e deputado Romário
engrossou o coro em um vídeo que se tornou viral na internet, no qual
ataca a Fifa e alega que a Copa brasileira custará cerca de três vezes
mais do que as anteriores - número contestado pelo Comitê Gestor da Copa
do Mundo de 2014, o CGCopa.
"A África do Sul teve um gasto de R$ 7,7 bilhões
de reais, o Japão de R$ 10,1 bilhões, a Alemanha de R$ 10,7 bilhões e o
Brasil já está em R$ 28 e alguma coisa (bilhões). Ou seja, desculpe a
expressão, mas que sacanagem. É sacanagem com o dinheiro do povo. Falta
de respeito e escrúpulos", disse o deputado.
As autoridades envolvidas na organização da Copa
se defendem alegando que muitos desses bilhões na realidade serão
gastos em obras de infraestrutura e mobilidade urbana que precisavam ser
realizadas com ou sem o torneio.
A presidente Dilma Rousseff também garantiu, em
discurso em rede nacional, que nem um centavo do orçamento foi usado em
estádios. Mas isso não quer dizer que não tenham sido usados recursos
públicos em tais obras.
O BNDES financiou boa parte dos estádios com
linhas de crédito a juros subsidiados – e, em muitos casos, os
empréstimos foram tomados por governos estaduais, que terão de pagar o
banco também com dinheiro público.
Além disso, os estádios contam com isenções fiscais dentro do programa Recopa.
Em meio a uma guerra de acusações e números, a
BBC entrevistou autoridades e especialistas para tentar desatar os nós
dessas polêmicas, explicando, afinal, quem paga pelas obras da Copa, em
que condições - e com quais recursos:
1) Quanto custará a Copa no Brasil?
A previsão atual do comitê organizador é que sejam investidos em obras relacionadas a Copa um total de R$ 28,1 bilhões.
Aí estão incluídos 327 projetos que vão desde
obras de infraestrutura básica, como aeroportos e corredores exclusivos
para ônibus, até gastos diretamente ligados ao torneio de futebol.
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Apesar dos torcedores quererem a Copa no Brasil, muitos questionam o valor gasto pelo governo
Do total, R$ 7,5 bilhões serão gastos em
estádios; R$ 8,9 bilhões em obras de mobilidade urbana; R$ 8,4 bilhões
em aeroportos e R$ 1,9 bilhão em segurança. O restante será investido em
desenvolvimento turístico, portos e telecomunicações.
Tais obras fazem parte do que o governo chamou
de "Matriz de Responsabilidade" da Copa e podem ser conferidas no Portal
Transparência, mantido pela Controladoria Geral da União (CGU), embora
alguns dados estejam desatualizados.
2) Foi a Copa mais cara da história?

Para alguns manifestantes, obras da Copa desperdiçam recursos públicos
A comparação entre países é complicada por uma
série de razões, como explicou para a BBC Brasil Holger Preuss,
Professor de Economia do Esporte na Universidade Johannes
Gutenberg-University, na Alemanha, que estudou o impacto econômico das
duas últimas Copas.
Para começar, nem sempre os governos
realizadores dos eventos disponibilizam seus gastos. "E mesmo que o
façam, a prestação de contas não é padronizada, o que dificulta a
comparação", diz Preuss.
Recentemente, a Rússia anunciou que seus gastos
para o evento de 2018 devem ficar em mais de R$ 35 bilhões, por exemplo –
e no caso russo, a lista de projetos também inclui obras de
infraestrutura básica e mobilidade urbana.
Segundo a assessoria de imprensa do deputado
Romário, os dados citados pelo jogador no vídeo mencionado acima
constavam em um editorial de jornal.
"É preciso ver quais obras foram incluídas nos
gastos de outros países. No caso do Brasil, o valor ficou alto porque
incluímos essas obras de infraestrutura e mobilidade urbana que iriam
ser feitas com ou sem Copa e ficarão como um legado para a população",
diz Luís Fernandes, secretário-executivo do ministério dos Esportes e
integrante do CGCopa.
"De fato, é preciso muito cuidado para evitar
uma comparação entre maçãs e bananas", concorda o economista Pedro
Trengrouse, da FGV. "Muitas dessas obras só foram catalisadas pela Copa.
Não há dúvida de que precisávamos de mais aeroportos, por exemplo. Só o
aeroporto de Atlanta, nos EUA, tem mais fingers (passarelas móveis
usadas para o embarque de passageiros) do que todos os aeroportos do
Brasil juntos".
É claro que isso não quer dizer que os custos de
algumas obras específicas não possam ser contestados – nem que não haja
exageros de gastos, irregularidades ou superfaturamento em algumas, ou
muitas, delas.
Muitos especialistas contestam, por exemplo, a
construção de estádios imensos em lugares que parecem não ter público ou
clubes suficientes para manter a ocupação de tais estruturas após o
evento. Entre eles estariam o estádio construído em Brasília, que tem
capacidade para 71 mil pessoas e custou mais de R$ bilhão. E o de
Manaus, que abrigará 44 mil torcedores e custou R$ 583 milhões (segundo o
Portal Transparência).
As empresas e Estados envolvidos nos projetos
alegam que a adequação das obras ao padrão Fifa ajuda a encarecê-las.
Mas organizações da sociedade civil exigem mais explicações e
transparência sobre essas escolhas.
Segundo o conselheiro Fabiano Silveira, do
Conselho Nacional do Ministério Público, uma das questões que o MP está
investigando com atenção são os custos de estruturas temporárias – as
barracas que ficam em volta dos estádios para abrigar centros de
credenciamento, receber pessoal da Fifa e etc. Em alguns Estados, os
custos de tais estruturas chegariam a dezenas de milhares de reais, o
que parece um exagero na avaliação do conselheiro.
"Também não há como negar que questões como
corrupção e ineficiência podem encarecer alguns projetos", diz Preuss,
para quem o problema não é gastar muito, mas como garantir, que, em cada
caso, os recursos estejam sendo usados da maneira mais eficiente
possível.
3) Quem paga pelas obras da Copa?
Cerca de um terço do valor das obras (R$ 8,7
bilhões) está sendo financiado por bancos federais – Caixa Econômica
Federal, BNDES e BNB (Banco do Nordeste do Brasil).
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A Copa do Mundo tem sido alvo de manifestações de protesto.
Boa parte desses empréstimos é tomada pelos
próprios governos estaduais, sozinhos ou em parcerias com o setor
privado (PPPs), embora alguns empréstimos também sejam contraídos por
entes privados (como os R$ 400 liberados pelo BNDES para o Corinthians
construir o Itaquerão).
Além disso, as obras da Matriz de
Responsabilidade da Copa também consumirão R$ 6,5 bilhões do orçamento
federal e R$ 7,3 bilhões de governos locais (estaduais e municipais).
Dos R$ 28,1 bilhões, apenas R$ 5,6 bilhões serão recursos privados (que
se concentram principalmente nos aeroportos).
4) E pelos estádios?
Os bancos federais financiaram cerca de metade
dos R$ 7,5 milhões gastos em arenas para a Copa. Apenas R$ 820 mil foram
financiados com recursos privados (segundo valores da CGU, que diferem
um pouco de um levantamento do Tribunal de Contas da União). O restante
dos recursos foi aportado por governos locais, principalmente estaduais.
Na Alemanha, Preuss conta que os recursos públicos financiaram apenas
um terço dos 1,5 bilhão de euros gastos em estádios.
Segundo o secretário federal de Controle Interno
da Controladoria-Geral da União, Valdir Agapito, dos 12 estádios, 4 são
públicos e foram, ou estão sendo construídos ou reformados pelos
governos estaduais (Brasília, Manaus, Rio de Janeiro e Cuiabá – apesar
de o Maracanã, no Rio, estar prestes a ser entregue para exploração pelo
setor privado), 5 estão a encargo de esquemas de Parcerias Publico
Privadas, ou PPPs, (Salvador, Natal, Fortaleza, Recife e Belo Horizonte)
e 3 são privados (Curitiba, Porto Alegre e São Paulo).
4) Como os governos pretendem recuperar esse dinheiro?
No caso das PPPs, os estádios serão entregues
para exploração pelo setor privado, e o retorno que obtiverem com jogos e
uso dessas estruturas em shows e grandes eventos seria usado para
ajudar a pagar os empréstimos aos bancos federais.
No caso do Rio, um consórcio formado pela
empreiteira Odebrecht, a empresa IMX, do empresário Eike Batista, e a
companhia de origem americana AEG venceu em maio a licitação que
determinaria o responsável pela administração do estádio do Maracanã
pelas próximas três décadas. As condições da concessão e a licitação,
porém, abriram uma série de polêmicas.
Os três estádios públicos serão administrados
pelos próprios Estados. Ainda há dúvidas sobre a rentabilidade de
algumas arenas em capitais menos populosas no longo prazo. O medo é que
elas se tornem "elefantes brancos". A rentabilidade das concessões ao
setor privado para os Estados também é contestada por alguns movimentos
da sociedade civil.
5) Como a Fifa lucra com o evento?
A Fifa lucra com os contratos de transmissão dos
jogos, de marketing e com os patrocinadores. Ela tem seis
patrocinadores fixos (Adidas, Coca-Cola, Emirates, Hyundai, Sony e Visa)
e contratos exclusivos para a Copa (no caso do Brasil, já são 14).
Além disso, a entidade não precisa pagar impostos no Brasil - privilégio também garantido em outros Mundiais.
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Muitos acreditam que a Fifa não transfere ao país sede os benefícios financeiros gerados pelo torneio.
"A Fifa faz uma festa privada e se você quiser
que essa festa seja na sua casa, precisa aceitar as condições da
entidade", diz Preuss. "A verdade é que ela não está comprometida com o
desenvolvimento econômico dos países que sediam as Copas. A princípio é
uma entidade sem fins lucrativos, mas cujo compromisso é com a promoção
do esporte – e particularmente do futebol - no mundo."
Segundo Silveira, do Conselho Nacional do
Ministério Público, a Fifa também mantém convênios com hotéis dos quais
cobraria uma porcentagem sobre a hospedagem – em um esquema cujos
efeitos sobre os preços estariam sendo analisados pelo MP.
6) Quanto foi comprometido em isenção fiscal?
Aprovado em 2010, o Regime Especial de
Tributação para Construção e Reforma de Estádios da Copa, programa
conhecido como Recopa, garante a desoneração de impostos como IPI, PIS/
Pasep e Cofins, além de tarifas de importação, na aquisição de
equipamentos e contratação de serviços para a construção de estádios do
mundial.
Agapito, da Controladoria Geral da União, diz
não ter tido acesso ao dado de quanto foi desonerado. Segundo Luís
Fernandes, do CGCopa, o levantamento ainda está sendo feito. De acordo
com uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), porém, as
isenções de impostos federais concedidas às construtoras responsáveis
pelos estádios da Copa somariam R$ 329 milhões.
No caso das isenções para a Fifa, estima-se que o total desonerado ficaria em torno de R$1 bilhão.