Maior parte das pacientes tem entre 12 e 17 anos, mesma faixa etária de duas vítimas de estupro que ganharam repercussão
Levantamento mostra que uma mulher a cada quatro minutos dá entrada no SUS por agressão
Os atendimentos a mulheres vítimas de violência
sexual, física ou psicológica em unidades do Sistema Único de Saúde
(SUS) somam por ano, 147.691 registros - 405 por dia, ou um a cada
quatro minutos. A maior procura por serviços de saúde após casos de
agressão se dá entre adolescentes de 12 a 17 anos, faixa etária das duas
vítimas de estupro que ganharam repercussão na semana passada, no Rio e
no Piauí. Especialistas apontam para a necessidade de se encerrar a
"lógica justificadora" que tenta lançar para as vítimas a culpa pelos
crimes.
Os dados integram o Mapa da Violência - Homicídio de Mulheres, um
dos mais respeitados anuários de violência do País. As estatísticas
foram reunidas com base no Sistema de Informação de Agravos de
Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, que registra os
atendimentos na rede do SUS. O relatório mostra que Mato Grosso do Sul,
Acre, Roraima, Tocantins e Minas lideram a lista de Estados com as
maiores taxas de procura por atendimento.
O registro
mais recente do Sinan contém dados de 2014 - o estudo foi concluído no
fim de 2015. O cônjuge da vítima aparece como o agressor mais frequente,
responsável por 22,5% das ocorrências; outras pessoas próximas de
adolescentes e mulheres também são apontadas como responsáveis por
ataques, como namorado, ex-namorado, irmão, pai e padrasto. Em só 13%
dos casos, a agressão é cometida por uma pessoa desconhecida. No caso do
Rio, um dos suspeitos é ex-namorado da vítima de 16 anos que diz ter
sido atacada por mais de 30 homens no Morro da Barão.
"A
normalidade da violência contra a mulher no horizonte cultural do
patriarcalismo justifica, e mesmo 'autoriza', que o homem pratique essa
violência, com a finalidade de punir e corrigir comportamentos femininos
que transgridem o papel esperado de mãe, esposa e dona de casa", aponta
o Mapa da Violência - Homicídio de Mulheres. "Culpa-se a vítima pela
agressão, seja por não cumprir o papel doméstico que lhe foi atribuído,
seja por 'provocar' a agressão dos homens nas ruas ou nos meios de
transporte, por exibir seu corpo."
Ao Estado, Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da
pesquisa e da área de estudos sobre violência da Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), reforça a tese e diz ver
uma reação conservadora à tentativa de ampliação de direitos pelas
mulheres. "Na medida em que se criam condições sociais de proteção, mais
violento se torna o agressor. É uma reação conservadora do
patriarcalismo machista que persiste no Brasil", diz Waiselfisz. "E,
hoje, estamos assistindo a uma cultura em que está permitindo esse tipo
de violência."
ReincidênciaOs dados do Mapa da Violência mostram também que são as mulheres jovens as que mais voltam para novos atendimentos no SUS após outros casos de violência. "A violência contra a mulher é mais sistemática e repetitiva do que a que acontece contra os homens. Esse nível de recorrência da violência deveria ter gerado mecanismos de prevenção, o que não parece ter acontecido", diz Waiselfisz.
Para a secretária nacional de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, "é fundamental trabalhar em educação e capacitação dos operadores da segurança pública e da Justiça para que entendam que a violência contra a mulher é gravíssima violação contra os direitos humanos".
Ao Estado, ela afirmou também que são necessárias três linhas de enfrentamento do problema. "Precisamos adotar medidas eficazes no que se refere ao dever do Estado de investigar, processar e punir essas violações sob a perspectiva de gênero; adotar todas as medidas para dar total e integral apoio e assistência às vítimas; e adotar medidas preventivas, fomentando educação com parâmetros não sexistas e igualitários. Isso é o mais difícil", diz Flávia.
Para a promotora paulista especialista em combate à violência doméstica Silvia Chakian, a solução passa pelo combate à impunidade dos agressores, mas também exige medidas educativas. "Os criminosos merecem uma punição exemplar, e essa punição tem de ser divulgada para a sociedade para combater a sensação de impunidade."
Silvia destaca que o crime do Rio foi seguido por compartilhamentos de vídeos na internet por pessoas que faziam "piadas machistas e julgamento moral". "Que sociedade é essa que um sujeito compartilha a prova do crime e se gaba dela? E quem são as milhares de pessoas que viram e compartilharam esse material, ajudando a perpetuar esse sofrimento?", questiona. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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