A
cerimônia do Oscar está prevista para ocorrer neste domingo, mas, nos
bastidores, as campanhas para conquistar o voto dos jurados da academia
começaram muito antes da premiação.
Estúdios e produtoras de filmes estão por trás
de iniciativas multimilionárias, que registraram, segundo especialistas,
valor recorde em 2013, ultrapassando as cifras dos anos anteriores.
O objetivo comum é conquistar o voto
dos 5,8 mil membros da academia de cinema americana que tinham, até o
início desta semana, de escolher as melhores produções do gênero em 24
categorias diferentes.
Para isso, estúdios e produtoras de filmes não
economizam na hora de gastar milhões de dólares em festas e eventos
públicos com a presença de atores famosos.
A investida conta até com o envio de DVD's e
material promocional aos jurados que não puderam assistir às películas
nas salas de cinema.
"Funciona como uma campanha política: todo mundo
quer que seu filme seja visto e comentado, pois, dessa forma, tende a
ganhar maior atenção dos jurados", disse à BBC Mundo, o serviço em
espanhol da BBC, Marian Koltail-Levine, vice-presidente de filme e
marketing da PMK-BNC, uma das empresas mais requisitadas em Hollywood
para promoção desse tipo de evento.
Como na política
A comparação do caminho rumo ao Oscar com a
disputa pela Casa Branca ou pelo Congresso não é descabida: na indústria
do cinema, a "voz do povo" é normalmente um elemento primordial para um
filme durante a temporada de prêmios - que começa com o Globo de Ouro e
termina com o Oscar.
A aceitação popular não é um pré-requisito para a
escolha dos jurados, mas pode influenciar sua opinião, assim como
inscrever a película na história.
As táticas também não se diferem das postas em
prática no jogo das campanhas eleitorais. No cinema, também há lobista,
busca de alianças, mudanças de estratégias segundo os resultados obtidos
nas prévias do Oscar, que funcionam como se fossem "as primárias do
partido".
Analistas também destacam que, tal como na política, é praticamente impossível ganhar um Oscar sem gastar dinheiro.
Embora as principais empresas do setor não
revelem o montante de suas despesas, uma reportagem publicada
recentemente pelo jornal
Los Angeles Times estimou que só neste ano, pela primeira vez, as campanhas dos favoritos ao Oscar de melhor filme,
Argo e
Lincoln, superaram a marca de US$ 10 milhões (R$ 20 milhões) durante as últimas semanas.
Especialistas acrescentam que o fato de os
grandes estúdios, como Warner Bros. e Disney, estarem por trás dos
lançamentos também aumenta a chance pela conquista dos prêmios.
O mesmo ocorre com os indicados a melhor filme
Os Miseráveis (da Universal Pictures e com um elenco multiestelar) e
Django e
O Lado Bom da vida, estes últimos com o apoio da poderosa The Weinstein Company.
Na avaliação de outros analistas, entretanto, a
chance de ganhar um Oscar reside simplesmente na qualidade de um filme:
como há muito não ocorria, a nomeação de nove filmes para o Oscar de
melhor filme aumenta o suspense sobre qual ganhará a estatueta.
Na disputa pela mesma categoria, também estão
As aventuras de Pi,
Indomável Sonhadora,
A Hora Mais Escura e a produção franco-austríaca
Amor.
"O desafio é fazer com que os jurados da
Academia vejam o filme. Mas isso leva tempo e dinheiro: fazemos isso com
projeções e enviando material diretamente aos votantes", explica
Koltail-Levine, que este ano está envolvida nas campanhas de
Indomável Sonhadora e
O Lado Bom da Vida.
Humanização
De acordo com especialistas, o mercado deste ano
está mais aquecido pois, na opinião deles, ainda não há unamidade sobre
quem serão os vencedores das categorias de melhor diretor, melhor atriz
e ator coadjuvante.
Isso teria multiplicado os eventos promocionais
em que o elenco tem importante papel na conquista dos prêmios,
acrescentam os analistas.
"Fazemos reuniões e coquetéis para que os
jurados se reúnam com os produtores dos filmes. Aquele que conseguir
humanizar o filme, provavelmente conseguirá mais votos", disse à BBC
Mundo o publicitário Joshua Jason, que está há dez anos no negócio e
nesta edição representa dois curta-metragens e
Frankenweenie, do diretor Tim Burton.
"O marketing é tão importante quanto a qualidade
do próprio filme. Trata-se de organizar toda a campanha, mas com um
filme que a suporte", diz Santiago Pozo, que fundou uma agência Arenas,
especializada em marketing e promoção, há 25 anos e atualmente trabalha
na estreia do filme hispânico "
Bless Me, Última" (sem previsão de estreia no Brasil) nas salas de cinema americanas.
"O que mudou muito nos últimos dez anos é a
quantidade das atividades que se organizam para os membros, desde
jantares de gala a convites exclusivos para estreias até materiais que
apenas os jurados da academia recebem", acrescenta Pozo, que faz parte
do comitê de jurados da academia desde 1993.
Novas regras
A estratégia de sedução por quem decide o Oscar não é nova.
Em 1929, a icônica atriz Mary Pickford, dos primórdios do cinema americano, ansiava por um Oscar.
Protagonista de
Coquette, ela decidiu promover sua candidatura organizando uma festa para os jurados da academia, à época com apenas cinco integrantes.
Pickford teve êxito em sua iniciativa: ganhou a estatueta como melhor atriz naquele ano.
Segundo o crítico de cinema Steve Pond,
entretanto, foi Joan Crawford a responsável por estruturar a primeira
campanha do tipo: em 1946, a atriz contratou o publicitário Henry Rogers
para incluí-la na competição pelo Oscar por seu papel em
Alma em Suplício.
Quando Crawford, certa de que perderia, se negou
a assistir à cerimônia, Rogers divulgou um comunicado dizendo que a
atriz estava doente em sua casa e mandou para lá um maquiador e um
cabeleireiro, caso ela fosse escolhida pela academia.
A atriz acabou ganhando o prêmio por sua atuação
e sua foto em sua própria cama com a estatueta, captada por fotógrados
enviados pelo publicitário, ofuscou os outros vencedores.
Já em 1956, acrescenta Pond, o drama
Marty foi
o primeiro filme cujo custo de produção foi menor do que sua campanha
promocional, enquanto que a novidade de distribuir screeners (como se
chamam as cópias dos filmes enviadas a críticos, jurados de prêmios e
outros profissionais do cinema) deu um empurrão a
Coração Valente em 1996, frente à favorita nos prognósticos,
Apolo 13.
Os gastos, no entanto, aumentaram nesse meio tempo: em 1999, os especialistas calculavam que a campanha promocional de
Shakespeare Apaixonado
custou cerca de US$ 15 milhões (R$ 30 milhões), enquanto que o estúdio
DreamWorks teria investido mais de US$ 20 milhões (R$ 40 milhões) em
2001 para apoiar
Gladiador.
Para evitar excessos, a própria academia de
cinema mudou as regras: em 2011, foram estabelecidas restrições para
nivelar a competição e ajudar os filmes de menor orçamento publicitário a
concorrer em pé de igualdade com os de grandes estúdios.
O homem forte

Harvey Weinstein é considerado um dos nomes mais poderosos de Hollywood
Não se pode falar de campanhas promocionais no
cinema sem mencionar o nome de Harvey Weinstein: o empresário por trás
da distribuidora que leva o seu nome é um dos nomes mais poderosos da
indústria cinematográfica e, segundo alguns, o criador da estratégia de
promoção moderna.
A última cerimônia do Oscar serve de exemplo de sua influência: A Weinstein Company foi encarregada de distribuir
O artista,
um filme mudo, em preto e branco e com um protagonista quase
desconhecido, que terminou consagrado como a melhor película do ano e
deu ao protagonista Jean Dujardin uma estatueta dourada frente a outros
concorrentes de peso em Hollywood.
Há um consenso de que, sem Harvey, tal êxito não
seria possível. Muitos, também, criticam sua capacidade de influenciar
no destino de um filme pela força do dinheiro.
Entre as limitações impostas pela academia, está
a quantidade de material gratuito que pode ser entregue aos jurados,
assim como as festas promocionais depois que as indicações são
anunciadas.
"As novas regras resultaram em uma competição menos injusta", diz Joshua Jason.
Mas alguns excessos continuam ocorrendo, reconhecem publicitários e jurados.
Nesta semana, difundiu-se uma campanha negativa contra
A Hora Mais Escura e
Lincoln, a
primeira por sua suposta mensagem a favor da tortura e a segunda por
suas inexatidões históricas, quando a academia proíbe expressamente as
"correntes de rumores negativos" contra películas rivais.
Em 2010, por exemplo, um produtor de
Guerra ao Terror
foi impedido de assistir à cerimônia depois que a academia o
responsabilizou por fazer um "comentário depreciativo" sobre seu rival
Avatar.
Mas até que ponto as campanhas promocionais podem, de fato, influenciar a opinão dos jurados do Oscar?
Os jurados alegarão que se baseiam em padrões de
qualidade para escolher o melhor em cada categoria. Mas, tal como
assinalam os publicitários, é difícil que um filme seja escolhido se sua
existência for desconhecida.
"Os membros da academia não vão indicar uma
película se não a conhecem ou não a assistiram. Às vezes, o êxito de um
campanha é medido por isso: por fazer com que um filme que estava fora
do radar seja nominado", diz Koltail-Levine.
As cifras parecem dar razão à analista: uma pesquisa publicada no
Journal of Cultural Economics,
em 2005, estima que os candidatos a melhor filme possam aumentar sua
receita em até 200% nas semanas seguintes à indicação ao Oscar.
O mesmo estudo indica que a indicação - e não o
Oscar propriamente dito - é o que realmente afeta a arrecadação final de
uma película.