A
volta do ginecologista Denis Mukwege à República Democrática do Congo
foi celebrada por milhares de mulheres no mês passado. Das congolesas
que o receberam no aeroporto, muitas vivem com menos de um dólar por
dia, mas ainda assim elas economizaram para pagar a passagem do médico e
convencê-lo a voltar do exílio na Europa.
Mukwege já atendeu, com colegas, mais de 30 mil
vítimas de estupro com ferimentos graves e montou um hospital com 350
leitos financiado pela UNICEF e outros doadores. O médico também criou
uma unidade de atendimento móvel e um sistema para oferecer microcrédito
para as vítimas reconstruírem sua vida.A guerra na República Democrática do Congo começou em 1998 e terminou oficialmente em 2003, mas os combates prosseguem até hoje no leste do país, onde operam grupos rebeldes.
Em um relato dramático, reproduzido abaixo, Mukwege contou à BBC como os abusos sexuais se transformaram em uma potente e avassaladora arma de guerra no conflito:
Início dos abusos
"Quando a guerra estourou, 35 pacientes de meu hospital, em Lemera, no leste do Congo, foram mortos em suas camas.Fugi para Bukavu, a 100 km de Lemera, e comecei a atender em tendas. Construí uma maternidade e uma sala de cirurgia improvisada, mas em 1998 tudo foi destruído. Então, tive de recomeçar a erguer uma nova estrutura para atender meus pacientes em 1999.
Foi nesse ano que nossa primeira paciente vítima de estupro foi trazida para o hospital.
Depois que a paciente foi estuprada, seus agressores haviam disparado contra suas coxas e órgãos genitais. Pensei que esse ato de barbárie seria algo isolado, uma atrocidade da guerra, mas o verdadeiro choque veio três meses depois.
Quarenta e cinco mulheres vieram se tratar conosco com a mesma história: combatentes haviam entrado em suas aldeias, estuprando e torturando quem encontrassem pelo caminho.
Após tratamento, mulheres e meninas estupradas recebem ajuda para voltar a trabalhar ou estudar
Estupro como 'estratégia'
"Comecei a me perguntar o que estava acontecendo. Esses não eram só atos violentos de guerra. Eram parte de uma estratégia.Em alguns casos que nos foram relatados, várias pessoas foram estupradas ao mesmo tempo, publicamente. A população feminina de aldeias inteiras sofreu abusos sexuais durante a noite.
O objetivo desses estupros coletivos era não só ferir as vítimas, mas toda a comunidade, já que todos eram forçados a assistir a tais atos.
Como resultado, as pessoas tiveram de fugir de suas aldeias, abandonar suas terras, seus recursos, tudo. Trata-se de uma estratégia eficaz nesse sentido.
O conflito do Congo não envolve grupos de fanáticos religiosos, nem é um conflito entre os Estados. É uma guerra motivada por interesses econômicos - e travada por meio de uma estratégia que está destruindo as mulheres do país.
Em 2011, assistimos a uma queda no número de estupros e pensamos que talvez a barbárie estivesse perto do fim.
Desde o ano passado, porém, a guerra recomeçou e os casos de abuso sexual voltaram a aumentar. O fenômeno está totalmente ligado à situação de guerra."
Atendimento às vítimas
"Estabelecemos um padrão de atendimento às vítimas. Antes de levá-las para a mesa de cirurgia fazemos um exame psicológico. Preciso saber se elas serão capazes de resistir à operação.Após a etapa cirúrgica ou de cuidados médicos, encaminhamos as pacientes para um programa que lhes oferece apoio socioeconômico.
A maioria das vítimas chega aqui sem nada, nem roupas. Temos de alimentá-las e cuidar delas.
Depois do fim do tratamento médico, se essas congolesas não forem capazes de se sustentar, estarão vulneráveis novamente.
Mulheres fazem protesto contra violência contra as mulheres no Congo
A quarta etapa de nosso programa de auxílio às vítimas diz respeito a questões legais. Muitas vezes, os pacientes conhecem a identidade de seus agressores e temos advogados que os ajudam a tentar levar seus casos para a Justiça."
Ataque pessoal
"Em uma ocasião, (homens armados) abriram o portão e entraram no meu carro, apontando suas armas para mim. Eles me tiraram do carro e, como um de meus seguranças tentou me resgatar, começaram a atirar e o mataram.Eu me agachei e os homens continuaram disparando. Não sei como sobrevivi. Eles fugiram no meu carro sem levar nada e depois descobri que minhas duas filhas estavam em casa quando eles chegaram.
Elas foram levadas para a sala e ficaram esperando que eu chegasse junto com os agressores.
Durante todo o tempo, os homens ficaram com suas armas apontadas para minhas filhas. Foi terrível.
Não sei quem eram essas pessoas nem por que me atacaram. Depois disso, fomos para a Suécia e, em seguida, para Bruxelas (Bélgica).
No mês passado, decidi voltar para o Congo. Fui inspirado pela determinação das mulheres congolesas para combater essas atrocidades."
Retorno
"Muitas mulheres tiveram coragem para protestar sobre o ataque à minha família para as autoridades.Elas também juntaram dinheiro para pagar minha passagem de volta (ao país) - e essas são as mulheres que não têm nada, vivem com menos de um dólar por dia.
Houve uma recepção para mim no aeroporto de Kavumu, em Bukavu, em janeiro. E depois desses gestos, eu realmente não poderia dizer não.
Estou determinado a combater essas atrocidades, essa violência.
Minha vida teve de mudar, desde que voltei. Vivo no hospital agora e tomo uma série de precauções por questões de segurança. Perdi parte de minha liberdade.
As mulheres têm se revezado para vigiar o hospital. Grupos de 20 voluntárias fazem turnos, dia e noite, para tentar garantir minha segurança.
E elas não têm armas, não têm nada. Seu entusiasmo me dá confiança para continuar a trabalhar."
isso é terrível!
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