
Após a mudança de governo, rumores sobre a separação da Crimeia ganharam força
Grupos de manifestantes pró-Kiev
e pró-Moscou entraram em confronto na frente do parlamento de
Simferopol, capital administrativa da Crimeia, no sul da Ucrânia, em uma
escalada da tensão gerada pela deposição do presidente Viktor
Yanukovych na semana passada.
Milhares de pessoas foram para a frente do
edifício por conta de rumores que a separação da região seria discutida
na sessão desta terça-feira.
Apenas um cordão formado por
policiais separava os dois grupos, um a favor da Rússia e o outro
formado por tártaros da Crimeia (grupo étnico turco que vive na região) e
pessoas que apoiam a mudança de governo em Kiev.
Manifestantes contrários à Rússia chegaram a
invadir o parlamento. Uma pessoa morreu, provavelmente por causa de um
ataque cardíaco, durante o embate.
Um novo governo de união nacional deve ser
anunciado nas próximas horas. A expectativa é a de que sejam oferecidos
cargos em ministérios aos ativistas do principal acampamento dos
protestos em Kiev, o Maidan.
De acordo com o enviado da BBC à Kiev, David
Stern, seja qual for a formação do novo gabinete, seus membros
enfrentarão uma série de desafios, como a necessidade de reformar
diversas áreas do governo.
Em um outro desdobramento da crise, as
autoridades que comandam o país interinamente dissolveram as unidades de
polícia de elite, que são consideradas responsáveis pela morte de
dezenas de manifestantes na capital ucraniana na semana passada.
Provocação
Milhares de pessoas se envolveram nos embates em
Simferopol, que ocorreram antes de uma sessão do parlamento na qual a
situação da Crimeia seria discutida.
No entanto, o presidente do parlamento,
Volodymir Konstantinov, disse depois que uma separação da Crimeia, que
hoje tem autonomia em relação à Ucrânia, não seria discutida na sessão.
Em Simferopol, tártaros da Crimeia entoavam
"Glória à Ucrânia!" enquanto os manifestantes pró-Moscou respondiam
gritando "Rússia!".
O corpo de um idoso foi encontrado em meio ao
confronto, segundo o ministro da Saúde da Crimeia em um comunicado. Como
o homem não identificado não tinha sinais de ferimentos, acredita-se
que ele tenha morrido de ataque cardíaco.
A Crimeia, onde grupos étnicos russos são maioria, foi transferida da Rússia para a Ucrânia em 1954.
Membros de grupos étnicos ucranianos leais a
Kiev e tártaros muçulmanos, cuja animosidade em relação à Rússia vem
desde as deportações promovidas por Stálin durante a Segunda Guerra
Mundial, formaram uma aliança para se opor a qualquer movimento de
retorno a Moscou.

A Rússia mantém bases navais na Crimeia; Seu futuro é incerto
A mudança de governo em Kiev levantou questões
sobre o futuro de bases navais russas em Sevastopol, uma cidade
portuária também na Crimea, que tiveram seu arrendamento à Rússia
estendido até 2042 pelo ex-presidente.
A maioria dos especialistas acredita que a nova
liderança do país não forçará a retirada da frota russa, porque isso
poderia ameaçar ainda mais a estabilidade interna da Ucrânia, assim como
a já frágil relação do país com Moscou, afirma o jornalista Ilya
Abishev, da BBC.
Em um comunicado publicado na última
quarta-feira, três ex-presidentes ucranianos - Leonid Kravchuk, Leonid
Kuchma e Viktor Yushchenko - condenaram o que consideram ser uma
interferência russa na política da Crimeia.
Séria ameaça
Também na quarta-feira, o presidente russo
ordenou que suas tropas nas áreas central e oriental do país, próximas
da fronteira da Ucrânia, fizessem treinamentos para testar se estão
prontas para o combate.
Crimeia
- República autônoma dentro da Ucrânia
- Transferida pela Rússia em 1954
- Membros de grupos étnicos russos: 58,5% da população
- Membros de grupos étnicos ucranianos: 24,4% da população
- Tártaros da Crimeia: 12,1% da população
Fonte: Censo da Ucrânia de 2001
Junto com os Estados Unidos, o Reino Unido e a
França, a Rússia comprometeu-se a proteger a integridade territorial da
Ucrânia em um documento assinado em 1994.
O presidente interino da Ucrânia, Oleksandr
Turchynov, expressou preocupação com o que chamou de "série ameaça"
separatista gerada pela deposição de Yanukovych.
A Rússia vem considerando essa deposição uma
violenta tomada de poder pela oposição do país, enquanto a maioria dos
países da União Europeia apóia a mudança de governo.
Segundo o jornalista da BBC presente em
Simferopol, Daniel Sandford, a violência na cidade ilustra a
complexidade da situação da região, que piorou diante do vácuo de poder.
"Os crimenianos russos temem que o novo governo em Kiev represente uma ameaça a seus laços com a Rússia", afirmou Sandford.
Já os tártaros apoiam em massa a mudança porque
sua desconfiança da Rússia vem de longa data por terem sido os primeiros
ocupantes da região. Eles sofreram uma invasão russa no século 18 e,
nos anos 1940, acabaram expulsos da região por Stalin, só retornando à
Crimeia nos anos 1990.
Unidades de elite
Em Kiev, o atual Ministro do Interior, Arsen
Avakov, anunciou que as unidades de elite da polícia, conhecidas como
Berkut, foram dissolvidas.
Ele disse que os policiais serão investigados e
os que foram considerados responsáveis pela morte de manifestantes
contra o antigo governo "serão punidos".
Essas unidades tinham entre 4.000 e 5.000 membros distribuídos pela Ucrânia.
Odiada por muitos no país, a Berkut é apenas uma
parte das agências de segurança ucranianas, que há muito tempo são
acusadas por grupos defensores dos direitos humanos e cidadãos da
Ucrânia de cometer abusos contra os direitos humanos.
Ainda na quarta-feira, Turchynov anunciou que ele havia assumido o cargo de chefe das Forças Armadas.
O presidente Yanukovych fugiu de Kiev no final de semana e seu paradeiro ainda é desconhecido.
As autoridades interinas emitiram um mandado de
prisão em seu nome e, na quinta-feira, o parlamento votou a favor do seu
julgamento pelo Tribunal Penal Internacional em Haia.
O presidente fugitivo é acusado de estar por trás das mortes de mais de cem manifestantes pelas mãos da polícia de choque.