Figura
política de peso no governo americano, o vice-presidente dos EUA, Joe
Biden, chega ao Brasil nesta quarta-feira com a missão de ampliar a
sintonia entre os dois países, que têm vivido um período de
reaproximação desde o início do governo de Dilma Rousseff.
O vice de Barack Obama deve impulsionar as
discussões em temas como energia e ressaltar a importância do Brasil nas
relações externas do seu país quando visitar o Rio e Brasília.
Biden, sublinham analistas,
encabeçou no passado discussões importantes em temas domésticos, como a
legislação de controle de armas, e carrega experiência em temas
internacionais, por sua atuação, por exemplo, no envolvimento americano
no Iraque, Afeganistão e Paquistão.
Portanto, sua escolha para uma visita que está
sendo considerada "mais uma demonstração do compromisso americano com as
nossas parcerias nas Américas", como disse a jornalistas em Washington
um alto funcionário do governo americano, é mais que meramente
simbólica.
"No passado, o vice-presidente tinha uma função
muito mais cerimonial, mas desde Al Gore (vice de Bill Clinton) essa
figura tem extrapolado as expectativas", disse à BBC Brasil o diretor do
Instituto para o Estudo da Diplomacia na Universidade de Georgetown, em
Washington, James Seevers.
"Recentemente, Gore, Cheney (Dick Cheney, vice
de George W. Bush) e Biden se tornaram figuras muito importantes nos
seus respectivos governos. Portanto, a visita do vice a um país
estrangeiro transmite a mensagem de grande engajamento diplomático dos
EUA", avaliou.
Cooperação energética
Biden começou na segunda-feira, em Bogotá,
capital da Colômbia, uma visita de cinco dias a três países do
hemisfério. Na terça-feira, ele estará em Trinidad e Tobago, onde
aproveitará para se reunir com líderes de todo o Caribe.
No Brasil, ele visitará na quarta-feira uma
unidade da Petrobras no Rio de Janeiro. A Casa Branca informou que o
vice-presidente discutirá a cooperação no campo energético com
autoridades e dirigentes da petroleira brasileira.
Também estão agendados uma palestra de Biden em
um evento para o público e encontros com as autoridades locais para
tratar de segurança e inclusão social.
Já em Brasília, ele será recebido pela
presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, para, nas palavras
do funcionário da Casa Branca, "discutir assuntos globais" e "a
arquitetura da parceria que construímos juntos nos últimos quatro anos".
Embora vagas, as palavras evocam o diálogo
político de alto nível que os dois países têm travado em consultas sobre
temas que incluem desde a agenda bilateral à guerra civil na Síria.
Trata-se de um sinal, aponta a Casa Branca, da
posição privilegiada do Brasil no esforço do governo do presidente
Barack Obama para melhorar as relações com a América Latina e o Caribe
no seu segundo mandato.
Obama fez no mês passado uma viagem a México e
Costa Rica e receberá, nas próximas duas semanas, seus colegas do Chile e
Peru em visitas de trabalho.
Mas uma das poucas visitas de Estado que a Casa
Branca agenda por ano foi reservada para a presidente Dilma Rousseff,
que virá a Washington em outubro.
"Do nosso ponto de vista já alcançamos muito com
o Brasil, mas achamos que podemos fazer muito mais", disse o
funcionário da Casa Branca.
'Clube de potências'
O ex-deputado, ex-conselheiro para Comércio nos
governos de Obama e Bush e diretor da Escola de Política Aplicada da
Universidade George Washington, Mark Kennedy, acredita que a visita de
Biden será um "convite" do governo americano para que o Brasil se veja
como uma "potência global engajada em eventos globais".
"O
Brasil por muito tempo se viu como um observador dos eventos globais,
sentado na lateral e criticando o que outros atores estão fazendo”,
sustenta o analista. “O convite de Biden é para que o Brasil se sente à
mesa e pense no papel que pode assumir de forma construtiva."
Mark Kennedy, diretor da Escola de Política Aplicada da Universidade George Washington
Mas ele ressalva que os EUA querem ver o Brasil
se envolvendo nesses temas não como um ator independente, e sim como
participante do "clube de potências globais" onde são discutidos os
problemas geopolíticos da atualidade.
Um exemplo dessa tensão ocorreu depois que o
Brasil, então governado por Luiz Inácio Lula da Silva, e a Turquia
costuraram um acordo com o Irã para tentar solucionar o impasse em
relação ao programa nuclear iraniano.
Mark Kennedy – que não fala pelo governo
americano, mas expressa uma visão comum em Washington – avalia que o
desentendimento em torno do programa iraniano exemplifica o tipo de
iniciativa destinado a fracassar nas relações internacionais.
Ele diz que o Brasil "botou o carro na frente
dos bois, ao achar que era o único ator político, sem passar pela etapa
de se juntar ao grupo coeso de países que regularmente se sentam à mesa e
resolvem esses temas".
"Ter essa história de independência pode ser
positiva para alcançar algumas coisas, mas não é saudável vê-la como
algo marginal e sim central, com os grandes atores, não como um
outsider", afirma.
"O Brasil por muito tempo se viu como um
observador dos eventos globais, sentado na lateral e criticando o que
outros atores estão fazendo”, sustenta o analista. “O convite de Biden é
para que o Brasil se sente à mesa e pense no papel que pode assumir de
forma construtiva."
Superar a desconfiança
De lá para cá, os dois países recolocaram a sua
relação nos eixos, em parte dado o perfil mais discreto do governo Dilma
no cenário externo, em parte porque os EUA estiveram “olhando para
dentro”, nas palavras de Mark Kennedy, desde o início da crise
econômica.
"Agora, o governo americano percebeu que precisa se envolver mais com seus parceiros cruciais, e o Brasil é um deles", afirma.
Porém, apesar das palavras cordiais que partem
de ambos os lados, analistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que os
dois países ainda carecem do tipo de sintonia política para criar uma
relação bilateral especial.
A isso se somam disputas no campo do comércio e
dos subsídios agrícolas e uma "falta generalizada de novas ideias" para
refrescar o relacionamento, como costuma descrever o presidente emérito
do Interamerican Dialogue, Michael Shifter.
A viagem de Biden, juntamente com a visita de de Dilma aos EUA, seria uma tentativa de reverter essa situação.
"Não há dúvida de que o governo brasileiro está
ampliando mais e mais (a sua influência no mundo) e que a expansão
econômica do Brasil, do poder econômico do Brasil, reforça a ideia de
que a atuação do Brasil seja vista como uma norma, em vez de uma
exceção", diz Mark Kennedy.