O fim de um programa de TV que tratava de temas
espinhosos para o governo da Venezuela, transmitido pelo canal
Globovisión, representou mais um sinal da crescente falta de espaço
disponível à oposição do país na imprensa para criticar as autoridades.
A emissora venezuelana era considerada um dos
últimos refúgios das vozes críticas à chamada Revolução Bolivariana. No
entanto, o canal vem se adaptando à diretriz estabelecida pelos novos
proprietários, que assumiram o controle da Globovisión na semana
passada.A oposição acredita agora que outros programas podem ser cancelados e jornalistas considerados opositores do regime, demitidos.
A mudança na programação vem gerando um debate intenso nas redes sociais. Uma campanha no Twitter organizada por insatisfeitos com os rumos do canal, usando a hashtag #GlobovisionYaNoTeVeoMas, levou a conta da Globovisión no site a perder entre 200 mil e 300 mil seguidores em pouco mais de 72 horas, segundo um levantamento de especialistas da área.
O episódio coincidiu com o aniversário de seis anos do fim das transmissões daquela que era considerada a emissora de TV mais antiga e de maior audiência da Venezuela: a Radio Caracas Televisión (RCTV), o que já havia limitado a capacidade da oposição de se comunicar com os venezuelanos.
Restrição ao vivo
Os primeiros indícios de uma possível mudança na linha editorial da Globovisión começaram a aparecer na semana passada, quando, atipicamente, a emissora não veiculou reportagens sobre a presença do ex-candidato à Presidência e atual governador do Estado de Miranda, o opositor Henrique Capriles, em eventos públicos nas últimas quinta e sexta-feiras.Capriles – que perdeu as eleições em abril por uma margem de votos de 1,5 ponto percentual para o atual presidente Nicolás Maduro – reclamou em sua conta do Twitter, dizendo que havia sido informado que "a nova direção (do canal) ordenou" que não aparecesse mais ao vivo e questionando o grupo de investidores que comprou o canal de seu fundador, Guillermo Zuloaga.
Na segunda-feira, "Kico" Bautista deixou o canal. Segundo informações de bastidores, ele teria sido demitido depois que apresentou, em seu programa veiculado na última sexta-feira, um resumo do que ocorreu em um dos eventos do qual Capriles participou.
Em entrevista à BBC Mundo, Bautista afirmou ter sido desligado após "contrariar a política editorial" da Globovisión.
"A nova diretriz proibiu que os políticos, do governo e oposição, apareçam discursando ao vivo, contrariando uma das principais características da Globovisión, que era o imediatismo das notícias, ou seja, cobrir os eventos enquanto eles aconteciam", disse Bautista, para quem não faz sentido a nova estratégia do canal.
'Outra tarefa'
'Globoterror'
A Globovisión nunca agradou o
presidente Hugo Chávez, que chegou a apelidá-la de "Globoterror". Ele
dizia que a emissora distorcia a verdade e promovia uma agenda
"desestabilizadora".
O canal foi alvo de várias multas
da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), órgão do governo
responsável pela supervisão do setor. As multas afetaram a sua operação e
sua independência editorial.
A última multa, que data de
outubro de 2011 e soma US$ 2 milhões (R$ 4 milhões), equivalente a 7,5%
da receita da empresa, foi motivada pelo "comportamento editorial e pela
forma como (o canal) abordou os fatos ocorridos em El Rodeo (prisão
onde uma longa revolta deixou 19 mortos)".
Quando, em abril deste ano, o
empresario Guillermo Zuloaga confirmou a venda da emissora, ele disse
que o canal era "inviável" jurídica e economicamente e que a
continuidade da concessão dependeria únicamente de uma mudança na
direção.
Na saída, em conversa com jornalistas, o novo presidente do canal, Juan Domingo Cordero, assegurou que a Globovisión "continuará sendo um canal de notícias (…) transmitindo os fatos, dizendo a verdade". "Vocês sabem as razões pelas quais a Globovisión não era bem-vinda neste palácio, isso não vai acontecer de novo", acrescentou.
Entre as novas estratégias da emissora estaria a de abandonar a linha persistente de oposição e dar voz às autoridades.
Em um comunicado, a direção garantiu que "não vetou nenhum funcionário ou dirigente político em suas grades. Pelo contrário, a política editorial do canal consiste em obter informação e opinião de todas as vozes do país, sem qualquer discriminação".
Reportagens veiculadas na imprensa venezuelana sugerem que os novos proprietários da Globovisión teriam vínculos com figuras do governo e indicam que por trás da aquisição do canal houve uma coordenação para calar a voz da oposição.
No entanto, fontes internas do canal, que pediram anonimato, disseram à BBC Mundo que "não existe vínculo direto nem evidente" entre Cordero ou seu sócio Raúl Gorrín com o partido de Maduro.
A BBC Mundo tentou contatar os novos representantes da emissora, mas não obteve respostas até o fechamento desta reportagem.
'Caminho do confronto'
Muitos afirmam que as mudanças na Globovisión desequilibram ainda mais a oferta de informações na televisão venezuelana e lembram que o Estado já tem à sua disposição (embora com baixa audiência, segundo as pesquisas) seis canais de sinal aberto que usa para divulgar suas mensagens sem dar espaço às vozes da oposição.
Após confrontos com o governo, o empresário venezuelano Guillermo Zuloaga vendeu a Globovisión
"O governo estava muito preocupado com as entrevistas coletivas concedidas por Henrique Capriles. Cada vez que ele emitia um pronunciamento, as TVs interrompiam a sua programação ao vivo para veiculá-lo", disse à BBC Mundo Carlos Correa, diretor do Espacio Público, uma organização não-governamental que promove a defesa da liberdade de expressão na Venezuela.
Correa acredita que a primeira consequência das mudanças na Globovisión é a perda na diversidade da informação transmitida ao público.
"Isso significa que na Venezuela não há outro canal com a mesma intensidade e qualidade oferecida pela Globovisión. Temos a Venevisión e Televen que são canais (privados) generalistas com pouco equilíbrio e espaço para a opinião" contra seis públicos que, segundo Correa, "divulgam propaganda."
Para especialistas, independentemente da guinada no estilo do canal, a mudança na linha editorial da Globovisión causa um impacto político e social.
Jesus Torrealba, apresentador da Globovisión, destaca que, de acordo com os resultados da última eleição presidencial, a oposição representa quase metade do país. Segundo ele, os eleitores de Capriles ainda não reconheram a vitória de Maduro e estão aguardando uma decisão sobre a impugnação apresentada por Capriles no Supremo Tribunal Federal da Venezuela.
"Fechar a válvula de escape que representa a insatisfação e a discordância, como é a natureza crítica da Globovisión, é mais um passo no caminho do confronto", disse.
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