Laudo aponta para doença por falta de oxigenação do cérebro, adquirida aos dois anos.
O psiquiatra forense Guido Palomba
concluiu em seu laudo sobre Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, de 13
anos, acusado de matar os pais e duas pessoas da família no início de
agosto, na Vila Brasilândia, na zona norte de São Paulo, que o jovem
sofria de uma doença adquirida aos dois anos de idade e que ele se matou
não por arrependimento pela chacina, mas sim pelo fracasso de seu clube
de assassinos, o qual pretendia formar com amigos da escola.
Essas e outras conclusões estão no laudo de 35 páginas entregue por
Palomba no fim da última semana ao delegado Itagiba Vieira Franco, do
DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Em entrevista ao R7,
o psiquiatra explicou que Marcelo sofria de uma doença chamada
encefalopatia encapsulada ou sistematizada, a qual se desenvolve por
falta de oxigenação do cérebro. Com o adolescente, isso ocorreu aos dois
anos, durante uma internação hospitalar.
— Esse distúrbio é relativamente comum, que se encontra com uma certa
facilidade e desde já quer dizer que não são as pessoas portadoras desse
tipo de distúrbios que vão ficar matando seus pais amanhã. Isso acabou
dando um território pré-disposto para que depois ele tivesse
desenvolvido esse delírio encapsulado ou sistematizado que levou ele a
cometer esse delito., mas é uma conjuntura, uma série de fatores nos
quais há circunstâncias nas quais ele vivia, nas quais ele estava
inserido e foram elas que contribuíram.
Entenda o caso da família morta na Vila Brasilândia
Marcelo Pesseghini ameaçou a mãe antes do crime, diz testemunha à polícia
Ao ter como pais a cabo da Polícia Militar Andréia Bovo Pesseghini, e o
sargento da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Luiz Marcelo
Pesseghini, Marcelo teve contato com assuntos relacionados à violência, o
que só foi intensificado pelo gosto que o jovem sempre possuiu por
jogos considerados violentos.
— Ele também aprendeu a atirar muito cedo, participava de jogos e isso
foi formando o núcleo mórbido delirante dele, porque em cima dessa
encefalopatia, que é o comprometimento cerebral, se desenvolveu um
delírio sistematizado. É nele que estavam as ideias delirantes para
matar os pais e se tornar um assassino justiceiro errante. Essas ideias
delirantes e graves muitas pessoas souberam. O único problema é que as
únicas pessoas que souberam eram da idade dele e ninguém deu trela a
isso, ninguém contou aos adultos. Se tivesse contado, talvez alguém
tivesse percebido, conversado e naturalmente poderia ter tido um outro
desfecho.
Convicto de que desvendou a motivação por trás da chacina – a qual
vitimou, além do próprio Marcelo e dos pais dele, a avó, Benedita
Oliveira Bovo, e a tia-avó Bernardete Oliveira da Silva –, Palomba
explicou ainda o que levou Marcelo a se suicidar, após matar toda a
família horas antes. De acordo com o especialista, o adolescente se
matou não por arrependimento, mas pelo próprio fracasso.
— Ninguém dava trela pra ele que já vinha falando sistematicamente
sobre matar a família. Mas ele não se matou por arrependimento, porque
esse tipo de doença não dá arrependimento, mas sim por fracasso. Ele
mata os pais, vai pra escola, conta aos amigos que tinha matado e
ninguém deu trela, aí ele mostra a chave do carro, conta até pra uma
menina, convida ela pra fugir, mas moral da história: ele acaba
regressando de carona pra casa, sem o carro, volta ao mesmo lugar (dos
crimes), sem nenhum amigo seguidor, ninguém deu bola pra ele. E o que
acontece? Toda aquela fantasia delirante ruiu completamente. Ele, por
fracasso, com a mesma naturalidade que matou os pais, ele se mata.
Dom Quixote é citado em estudo
A título de ilustração, Palomba afirmou que conseguiu encontrar
semelhanças entre Marcelo Pesseghini e o personagem Dom Quixote, de
Miguel de Cervantes. Tanto o adolescente quanto o herói apresentavam
traços da “monomania”, doença primeiramente descrita em 1838. É um
sinônimo para o delírio encapsulado citado pelo psiquiatra forense em
seu trabalho.
Na obra, Dom Quixote enlouquece ao ler romances, absorvendo as
histórias que leu como a sua realidade, o que o faz sair pelo mundo em
busca das próprias aventuras.
— Eu não resisti nas conclusões de fazer esse paralelo porque ele (Dom
Quixote) também sofria de monomania. Comparei com Dom Quixote porque vi
que ele saia com o carro como se fosse o (cavalo) Rocinante de Dom
Quixote. Ele preparou a mochila com faca, revólver, tal qual Dom Quixote
com a lança e a espada. Ele foi convidar os amigos para serem seus
fiéis escudeiros, só que eles não quiseram. E ele tinha esse ideal de
matador errante, tal qual Dom Quixote, o cavaleiro errante. Mas é apenas
um colorido que não sei se é importante, coloquei mais como algo entre
parênteses no laudo.
Delegado vai anexar laudo ao inquérito, sem prazo para conclusão
Questionado pelo R7 sobre o que achou do estudo
produzido por Palomba, o delegado Itagiba Franco disse ter “gostado do
resultado” e confirmou que tudo será reunido ao inquérito. Ele preferiu
não dar comentários detalhados sobre as impressões da polícia sobre o
laudo psicológico de Marcelo Pesseghini, porém é provável que as
impressões do psiquiatra sejam apontadas como a motivação para a
chacina.
Apesar do novo documento, o inquérito ainda não tem prazo para ser
concluído. A expectativa é que os trabalhos policiais se encerrem no dia
5 de outubro, prazo referente à prorrogação pedida pela polícia no início deste mês.
Entretanto, a polícia pode solicitar novas prorrogações até quando
julgar necessário. O que atrapalha a investigação, praticamente
finalizada, é a falta dos sigilos telefônicos dos aparelhos da casa e
das vítimas.
De acordo com Franco, os investigadores aguardam o envio por parte das
operadoras de todos os dados, para então cruzar com os laudos já
disponíveis. A polícia quer ter total convicção de quais foram as
últimas ligações feitas e recebidas pela família Pesseghini nas horas
que antecederam os crimes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário