Onda de protestos espontâneos tomou o país de surpresa, ofuscando a Copa das Confederações
Em termos de notícias em que o
Brasil teve destaque nas capas dos jornais de todo mundo, provavelmente
2013 foi um dos anos mais marcantes até hoje.
O país naturalmente já ganharia mais
visibilidade internacional, visto que se prepara para receber dois dos
maiores eventos esportivos internacionais, a Copa do Mundo, em 2014, e a
Olimpíada, em 2016.Mas se a construção dos estádios e da infraestrutura para o Mundial de futebol já eram um destaque previsto nos noticiários do ano que se encerra, outros fatos foram mais imprevisíveis.
Para muita gente, dentro e fora do Brasil, este foi o ano em que o “gigante acordou”, com milhares de pessoas tomando as ruas em junho para protestar contra, entre outras coisas, os gastos nos preparativos para a Copa.
Dentro dos gramados, o título convincente na Copa das Confederações – frente à atual campeã mundial, a Espanha - fez de uma seleção desacreditada, como era a equipe brasileira, uma forte candidata ao hexacampeonato mundial em 2014.
Tragédias também colocaram os holofotes internacionais no Brasil. Logo no início do ano, o incêncio na Boate Kiss, em Santa Maria, que matou dezenas de jovens, comoveu o mundo.
E a economia emergente ganhou as manchetes com seus tropeços – a queda do império de Eike Batista e a os problemas econômicos do país, como o aumento dos gastos do governo e o crescimento econômico pouco vigoroso.
A BBC Brasil fez uma lista de dez temas que puseram o país em evidência neste ano. Confira e relembre os fatos:
- 1. Incêndio em Santa Maria
A morte de mais de 200 jovens causou comoção e abriu um debate sobre a segurança em boates
Dezenas de bombeiros ainda trabalhavam no resgate de vítimas do incêndio na boate Kiss em Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul.
A tragédia deixou, ao fim, 247 mortos e mais de cem feridos. A investigação mostrou que o incêndio teve início com o uso de fogos pirotécnicos por parte da banda Gurizada Fandangueira. Os integrantes do grupo e os donos da boate foram indiciados por homicídio doloso.
A investigação mostrou ainda que havia superlotação no local e uma série de irregularidades. A espuma acústica, por exemplo, era feita de material toxico - a fumaça foi uma das causas das mortes.
A morte de mais de 200 jovens, a maioria universitários, causou comoção nacional e motivou uma discussão sobre a segurança nas boates do país.
Mais tarde, a investigação também apontou responsabilidade dos bombeiros e das autoridades, que não haviam feito as vistorias necessárias no local.
- 2. Estupro de turista no RJ
O estupro da turista após caso similar na Índia repercutiu negativamente na imprensa internacional
A turista foi estuprada oito vezes, por diferentes homens, na frente do namorado francês. O crime aconteceu após o casal tomar uma van que atuava no transporte público em Copacabana.
O casal passou seis horas em poder dos estupradores e foi deixado em São Gonçalo, na região metropolitana, antes de os criminosos forçarem a vítima a tentar fazer um saque em um caixa eletrônico.
O fato de o estupro ocorrer em uma van, com películas de insulfilm, que bloqueava a visão dos que estavam fora, fez lembrar o caso da jovem indiana violentada em um veículo de transporte público. O caso causou comoção internacional e manchou a imagem da Índia.
As autoridades se apressaram em resolver o caso. Os acusados foram rapidamente localizados. Em agosto, a Justiça condenou três homens por envolvimento no caso.
- 3. Seleção brasileira recupera imagem
Tom nacionalista dos protestos foi sentido nos estádios na hora do Hino Nacional
O comando do time havia sido trocado de surpresa, em novembro de 2012. No lugar de Mano Menezes, assumiu Luiz Felipe Scolari.
Mesmo sob o comando de Felipão, que havia liderado a conquista do pentacampeonato mundial em 2002, a seleção ainda não convencia os torcedores.
A apreensão continuou até o início da Copa das Confederações, espécie de "ensaio" antes do Mundial.
As boas atuações dentro de campo foram empolgando aos poucos os torcedores. Em meio aos protestos de junho, o tom nacionalista das manifestações acabou sentido nos estádios. Em todos os jogos, o momento do Hino Nacional se tornou um momento de júblio da torcida.
Ao final, a seleção venceu a favorita, a Espanha, atual campeã mundial. A vitória por 3 a 0 parece ter finalmente convencido os torcedores e recolocado o Brasil na lista dos favoritos para a Copa do Mundo de 2014.
- 4. Protestos
As autoridades se viram acuadas pelos protestos e a popularidade dos políticos ruiu rapidamente
Cenas da violência e da arbitrariedade da polícia ganharam as redes sociais. O movimento, que já existia em várias cidades, começou a ganhar força com o que foi considerado abuso policial. Uma manifestação foi convocada para o dia 17 de junho em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Nesse dia, uma multidão de mais de 100 mil pessoas saiu às ruas do Rio, de São Paulo e de várias outras cidades. O protesto foi além do aumento nas passagens e as ruas fizeram eco às mais variadas manifestações. Havia desde cartazes contra PEC-37 (projeto de lei que limitava o poder de investigação do Ministério Público) até a favor do Estado laico.
Os protestos pegaram o país de surpresa. A classe política se viu acuada e os dirigentes viram sua popularidade diluir rapidamente. Em Brasília, manifestantes chegaram a ocupar o teto do Congresso Nacional.
Autoridades do Rio, de São Paulo e outras cidades cederam aos protestos e baixaram o preço das passagens. A opinião pública, resistente aos protestos inicialmente, passou a apoiar as manifestações. A polícia baixou o tom repressivo. Protestos tornaram-se cotidianos por quase dois meses.
Ao longo das semanas, o debate político se acirrou nas ruas. Houve registro de brigas entre grupos opostos. Os protestos também ganharam a presença dos Black Blocs, grupo de mascarados de inspiração anarquista, que passaram a promover quebradeira de agências bancárias. Os protestos acabaram ofuscando a Copa das Confederações.
- 5. Espionagem
Snowden revelou ao mundo esquema de espionagem de cidadãos comuns e chefes de Estado
Edward Snowden revelou um grande esquema de espionagem no qual agências de inteligência estariam monitorando secretamente milhões de telefonemas, e-mails e outras mensagens de cidadãos americanos e de vários países.
Snowden vazou as informações a partir de Hong Kong ao jornalista americano Glen Greenwald, que vive no Rio de Janeiro. O ex-colaborador da NSA passou a ser buscado pelos Estados Unidos e acabou na Rússia, onde ganhou asilo temporário.
Os vazamentos mostraram que, além de cidadãos comuns, dezenas de chefes de Estado também eram monitorados, entre eles a presidente Dilma Rousseff.
Na esteira do escândalo, Dilma cancelou a visita de Estado que faria a Washington, sobretudo após revelações de que a Petrobrás também teria sido alvo.
Dilma criticou fortemente a espionagem na Assembleia Geral da ONU, em setembro. Em seguida, os vazamentos mostraram que a chanceler alemã, Angela Merkel, teve o próprio celular grampeado.
Merkel reagiu. Brasil e Alemanha apresentaram uma resolução contra a espionagem na ONU. Snowden continua asilado na Rússia e chegou a escrever uma “carta ao povo brasileiro”, que levantou especulações sobre um pedido de asilo ao Brasil. Em dezembro, um juiz federal considerou o sistema de espionagem ilegal.
- 6. Leilão de Libra
Apenas um consórcio apresentou lance no leilão do Campo de Libra, o primeiro do pré-sal
O governo convocou o Exército para fazer a segurança do hotel na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Na imprensa internacional, a imagem de soldados montando guarda junto a banhistas na praia ilustrou o leilão de uma das maiores reservas petrolíferas do mundo.
Ao fim, apenas um consórcio apresentou proposta, para a decepção de muitos analistas. O grupo formado pela Petrobrás, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e as chinesas CNPC e CNOOC arrematou o campo.
O consórcio também deu o lance mínimo de R$ 15 bilhões, mais mais 41,65% do petróleo produzido após descontados os custos de produção (o chamado lucro-óleo).
A expectativa é que o Campo de Libra produza 1,4 milhão de barris de petróleo por dia, no seu pico de produção.
O governo comemorou o resultado, mas muitos analistas não tiveram uma opinião tão positiva. A imprensa internacional também teve opinião díspar sobre o leilão.
A revista alemã Der Spiegel disse que o Brasil leiloou um "tesouro por uma pechincha". Já o Wall Stret Journal afirmou que o país deu um passo rumo ao patamar das grandes nações produtoras de petróleo.
- 7. O tombo de Eike Batista
Eike Batista queria ser o homem mais rico do mundo, mas viu fortuna ruir em menos de um ano
A ânsia bilionária de Eike, no entanto, não resistiu à desconfiança do mercado. A baixa lucratividade de suas cinco empresas, a MMX (mineração), MPX (energia), OGX (petróleo), LLX (logística) e a OSX (petróleo) fizeram a fortuna de Eike ruir. A dívida das empresas e da holding seria de cerca de US$ 28 bilhões.
Em novembro, a OGX entrou com um pedido de recuperação judicial. Eike agora corre contra o tempo para equilibrar as contas da empresa. Se não conseguir, em breve poderá ver a falência da OGX.
Mais que um império empresarial, a derrocada de Eike também pode fazer ruir projetos audaciosos do empresário carioca. Já não se sabe qual será o destino do Porto de Açu, um imenso complexo no litoral norte do Rio de Janeiro.
Eike havia apadrinhado vários projetos na cidade. Mas a crise que assolou os negócios do empresário fez Eike cancelar os investimentos nas UPPs cariocas e colocar à venda o emblemático Hotel Glória, sob restauro.
- 8. A oposição se realinha no Brasil
A união entre Marina Silva e Eduardo Campos pegou a classe política de surpresa
O cenário ganhou tons ainda mais surpreendentes em outubro deste ano, com o anúncio da aliança entre Marina Silva e Eduardo Campos, dois ex-ministros do governo petista.
Marina, ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, já havia saído a grande novidade das eleições em 2010, quando ficou em terceiro lugar com mais de 20 milhões de votos, então pelo Partido Verde. Após desentendimentos, Marina deixou o PV e passou a militar pela criação da Rede Sustentabilidade, um novo partido.
A Rede não conseguiu validar o número mínimo de assinaturas para se efetivar como partido e teve sua criação barrada. Em uma jogada inesperada, Marina anunciou em outubro sua filiação ao Partido Socialista Brasileiro, o PSB, do governador pernambucano Eduardo Campos.
Campos também almeja chegar ao Planalto. Ainda não se sabe qual dois dois estará na cabeça da chapa, que pode desbancar o PSDB como primeira opção da oposição no país.
Enquanto Marina e Campos anunciavam o noivado improvável, o líder do PSDB, Aécio Neves, ainda tentava impor sua candidatura sobre José Serra, que não dava mostras de desistir da corrida à Presidência, apesar de ter amargado duas derrotas. Serra anunciou na última semana apoio a Aécio. Mas embora a oposição tenha já posto o batalhão na rua, Dilma recuperou parte da popularidade, com pesquisas apontando para seu favoritismo em 2014.
- 9. A economia Patina
A revista Economist retratou em sua capa o bom e o mau momento da economia brasileira
Em setembro, a revista britânica The Economist colocou na capa a frustação com a economia brasileira. O Cristo Redentor, que anos antes aparecia decolando em outra capa da revista, desta vez aparecia desgovernado, prestes a se chocar com o solo.
Após o PIBinho de 2012, quando o país cresceu apenas 0,9%, a promessa do governo era a de que o país teria um resultado mais vigoroso neste ano.
Ao longo dos meses, no entanto, a economia deu sinais pouco promissores e as expectativas foram diminuindo. Em dezembro, a pesquisa Focus do Banco Central, que avalia a opinião de fontes do mercado, disse que o país não deve crescer mais que 2,3% - resultado que não é uma tragédia, mas que está longe dos 7,5% de 2010.
Além da desaceleração, o governo viu picos de elevação da inflação, que ao fim deve fechar dentro do teto meta de 6,5% em 2013. Também houve ao descompasso das contas públicas, com excesso de gastos do governo e a expectativa de que o Brasil não cumpra a meta do superávit primário deste ano.
Apesar dos números pouco promissores, o desemprego chegou ao nível mais baixo da história. Em dezembro, o índice de desocupação era de apenas 4,6%.
Para muitos economistas, a economia deve voltar a ganhar fôlego em dois ou três anos, quando se fizer sentir o efeito das privatizações de aeroportos, estradas e ferrovias, feitos pela presidente Dilma Rousseff.
- 10. A Copa, sempre a Copa
Incidente em São Paulo atrasou ainda mais as obras e levantou a questão da segurança (Reuters)
A contagem seria diferente se em novembro a grua que levantava a última parte do teto da Arena São Paulo não tivesse caído e matado dois operários. Mais de 90% do estádio estava pronto.
As duas mortes na arena que vai receber o jogo de abertura da Copa trouxe à tona, mais uma vez, o atraso nas obras e a correria para deixar tudo pronto.
Em dezembro, foi a vez de Manaus registrar outro incidente fatal. Um operário despencou e perdeu a vida, após um cabo se romper. No mesmo dia, outro operário morreu, vítima de ataque cardíaco, nas obras de um centro de convenções ligado à Copa.
Familiares e operários culparam a correria pelas mortes. A Justiça chegou a paralizar as obras e trabalhadores entraram em greve. Ao todo, sete operários perderam a vida nos canteiros de obra.
A expectativa, agora, é que até abril todos os estádios estejam prontos. Sob a marcação cerrada da imprensa internacional, o Brasil se apressa em deixar tudo preparado para a Copa. Além das obras nos estádios, o governo tenta ainda driblar eventuais problemas nos aeroportos e a escalada dos preços dos hotéis, que já anuncian diárias exorbitantes para os dias do Mundial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário