Em Santa Catarina, pessoas ainda não identificadas atearam fogo a
mais um ônibus na manhã desta terça-feira (30). Segundo a Polícia
Militar (PM), este é o nono ataque a ônibus registrado desde a última
sexta-feira (26), quando começou a investida coordenada contra
delegacias, postos de polícia, ônibus e residências de policiais. Ao
menos 12 veículos foram incendiados, entre eles, um micro-ônibus escolar
que estava estacionado em frente à casa do dono. A principal linha de
investigação aponta para a hipótese de disputa de poder entre
integrantes de duas facções criminosas.
O ônibus incendiado esta
manhã pertencia à empresa Insular e foi atacado por dois motociclistas. O
veículo estava parado próximo ao ponto final da linha, no bairro
Tapera, região sul da ilha de Florianópolis (SC), prestes a começar mais
uma viagem. Os suspeitos escaparam sem ser identificados. Não houve
registro de feridos.
Mais cinco ônibus foram consumidos pelas
chamas em Tijucas, na Grande Florianópolis, por volta das 3h desta
terça-feira, mas as autoridades ainda não sabem dizer se a ocorrência
está associada aos ataques criminosos. Os veículos estavam estacionados
no pátio da empresa. Outro ataque, considerado criminso pela polícia, já
tinha sido registrado poucas horas antes, por volta das 21h30 de ontem
(29), em Navegantes (SC), a cerca de 110 quilômetros da capital.
Ainda
em Florianópolis, uma base da PM foi atacada no início da manhã de
hoje. Ainda não eram 6h quando dois homens passaram em uma moto e
dispararam vários tiros contra a base, instalada no bairro do Campeche,
que também fica no sul da ilha. Ao menos 14 tiros atingiram a unidade,
mas ninguém ficou ferido.
Horas antes, por volta da 0h30, quatro
tiros atingiram uma viatura da PM no bairro Vila União, em
Florianópolis. Uma base da PM no Jurerê, bairro nobre de Florianópolis,
também foi alvo dos disparos feitos por um homem em uma motocicleta. Na
tarde de ontem, os tiros atingiram a base policial de outro bairro da
capital, Santa Mônica. Dois suspeitos de participar da ação foram
detidos horas depois, em um mangue próximo ao local.
Agentes de
segurança e suas casas também são alvos da ação criminosa. Na noite
dessa segunda-feira, um agente penitenciário aposentado de 49 anos foi
assassinado a tiros em Criciúma, a cerca de 190 quilômetros de
Florianópolis. As autoridades ainda apuram se a morte do ex-agente está
relacionada aos ataques. Ele foi atingido pelos disparos quando fechava o
portão para a filha. Os suspeitos fugiram em um carro.
Também na
noite dessa segunda-feira, a casa de um policial militar em Chapecó foi
atingida por tiros disparados por homens em uma moto. Ninguém ficou
ferido. A casa já havia sido alvo de tiros há alguns dias, o que leva a
polícia a suspeitar de que a ocorrência pode não estar associada aos
recentes ataques.
Após se reunir, ontem à tarde, com o governador
em exercício, Nelson Schaefer, e com integrantes da cúpula da segurança
pública estadual, o secretário da Segurança Pública de Santa Catarina,
César Grubba, disse à imprensa que o governo estadual está tomando as
providências necessárias para conter a ação criminosa e punir os
responsáveis.
"Vamos reforçar o policiamento nas ruas, com
viaturas, com policiais militares e civis. Vamos fazer escolta dos
ônibus para que haja tranquilidade na circulação desses veículos",
prometeu o secretário, sem informar detalhes das investigações.
Modificação de cenas de crimes é um dos maiores obstáculos nas investigações de abusos.
Investigar e punir policiais que
cometem crimes é um dos maiores desafios dos órgãos de segurança
pública brasileiros, segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Entre as maiores dificuldades envolvidas no processo estão enfrentar o
corporativismo das polícias e convencer testemunhas a vencer o medo e
prestar depoimentos contra agentes da lei responsáveis por crimes.
"Investigar abusos e crimes cometidos por
policiais é difícil porque predomina a cultura de autoproteção e
imunidade quanto a esses crimes", diz Átila Roque diretor executivo da
Anistia Internacional no Brasil.Segundo Roque, embora haja alguns casos de órgãos corregedores competentes e atuantes, o controle da violência policial ainda é uma realidade distante no Brasil. "Como fazer isso em um país onde não se sabe nem ao certo quantas pessoas são mortas por policiais por ano?".
A BBC Brasil conversou com policiais envolvidos na investigação de crimes cometidos por policiais. Sem se identificar (para não sofrer represálias de seus superiores) eles apontaram cinco fatores que tornam mais difícil a obtenção de provas e o esclarecimento de crimes cometidos por agentes da lei.
Medo das testemunhas
Uma das tarefas mais difíceis na investigação de homicídios cometidos por policiais é encontrar testemunhas dispostas a se apresentar às autoridades.SEGURANÇA E ELEIÇÃO
A abordagem dos temas da violência
policial e da violência contra os policiais como parte da cobertura
especial da BBC Brasil sobre as eleições de 2014 foi sugerida em uma
consulta com leitores promovida pelo #salasocial - o projeto da BBC
Brasil que usa as redes sociais como fonte de histórias originais.
Na página da BBC Brasil no Facebook (www.facebook.com/bbcbrasil), leitores participam do debate e fazem comentários sobre a questão. Dê você também sua opinião!
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Os programas de proteção à testemunha existem, mas muitas preferem o silêncio a aderir a eles. Isso porque os programas implicam que a pessoa mude de casa, de nome, de emprego e corte totalmente os laços com familiares e amigos por longos períodos de tempo.
Dessa forma, mesmo que identificada pelos órgãos de investigação, as testemunhas em geral preferem não se envolver, mesmo depois de receberem todas as garantias de proteção e anonimato.
Cena do crime
A análise correta da cena de um crime por peritos pode fornecer as provas necessárias para processar um policial que tenha cometido irregularidades, mesmo que não haja nenhuma testemunha.Exames de balística podem, por exemplo, determinar que um tiro partiu da arma de determinado policial e não de um criminoso. Os peritos conseguem dizer também se a vítima foi baleada quando trocava tiros com a polícia, se foi executada sem chance de defesa, quando o crime aconteceu, entre outas informações.
A análise do local do crime serve, portanto, para reforçar a versão de um policial envolvido em uma ação suspeita ou desmascarar uma fraude criada por ele para encobrir um assassinato.
Porém, por vezes, policiais que cometem delitos tentam alterar a cena do crime com o objetivo de reforçar sua versão dos fatos.
Algumas das práticas já identificadas são a introdução de elementos na cena do crime (armas, drogas, entre outros) ou a remoção de cadáveres do local. Ou seja, os maus policiais matam um suspeito e, em vez de preservar a cena do crime para os peritos, levam o cadáver a um hospital – alegando posteriormente que a pessoa morreu no caminho.
Policiais de São Paulo disseram à reportagem que estimam que cerca de 80% dos locais onde houve supostos confrontos entre policiais e suspeitos sejam corrompidos de alguma forma antes da chegada dos peritos.
Uso de armas "frias"
Para burlar controle de armas e munições, policiais que cometem crimes usam armas frias.
Medidas como essas ajudam as equipes de investigação a obter indícios da participação de policiais em crimes de assassinato.
Mas para dificultar essa identificação, foi constatado por autoridades que alguns policiais usam armas apreendidas ilegalmente de suspeitos para cometer crimes. Essas armas são então descartadas para que não sejam analisadas por peritos criminais.
Corporativismo
O corporativismo é um dos fatores que enfraquecem a atuação de órgãos corregedores e dificultam que policiais denunciem colegas de trabalho que cometam atos ilegais.Mas o silêncio dos companheiros e a falta de ação não são os únicos problemas de quem investiga a própria polícia. Segundo policiais ouvidos pela reportagem o próprio cenário político em um Estado em determinadas ocasiões pode influir na disposição de superiores hierárquicos para incentivar ou não a investigação e a punição de policiais que tenham cometido algum crime.
Represálias
Em alguns casos mais graves, as ameaças feitas por policiais suspeitos não se restringem às testemunhas de seus crimes. Policiais encarregados de investigar colegas disseram à reportagem que já sofreram ameaças ou têm amigos que já foram vítima desse tipo de ação.Segundo eles, policiais que cometeram crimes chegam a fazer ameaças por telefone e até mesmo a passar em veículos fazendo disparos próximo das casas dos investigadores.
As ações de intimidação não chegam a impedir os investigadores de continuar com o trabalho, mas os desestimulam e tornam suas atividades mais difíceis.