Para tirar de si o peso das acusações de cobrar propina do lobista Júlio
Camargo, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) começou a inflar o fantasma
do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Um dia depois do depoimento
de Camargo ser vazado, e horas depois de anunciar seu rompimento
pessoal com o Governo, Cunha tirou da gaveta os pedidos de impeachment
que ele mantinha parados, aparentemente, para usá-los em um momento
oportuno. A bomba atômica, como foi batizada por Fernando Henrique
Cardoso (“Impeachment é como bomba atômica: bom para dissuadir, não para
usar”, segundo o ex-presidente), é um conjunto de 11 pareceres
apresentados por diversos autores solicitando que a Câmara dê andamento a
pedidos de impeachment da presidenta.
Segundo o siteCongresso em Foco, o deputado despachou esses
protocolos – um deles solicitado pelo deputado Jair Bolsonaro – que já
haviam sido apresentados, mas precisavam ser atualizados para poder
tramitar no Congresso. O pedido de Bolsonaro, por exemplo, é de março.
Cunha, porém, já mantinha sob análise um pedido do gênero feito pelo
Movimento Brasil Livre, que ficará pronto em meados de agosto. Na noite
de sexta, o deputado postou em sua página do Facebook uma foto que tirou
com os integrantes do MBL quando estes lhe entregaram o pedido de
impeachment
O argumento do MBL parar tirar a presidenta é a utilização indevida
das manobras fiscais em seu primeiro mandato para fechar as contas
públicas. Os gastos do Governo de 2014 estão sendo julgados pelo
Tribunal de Contas da União, que vê indícios de sérias pedaladas, e pode
elaborar um parecer técnico sugerindo ao Congresso que rejeite, ou não,
as contas da presidenta. Um impeachment, no entanto, depende de erros
cometidos durante a gestão em vigor, e não pode ser tratado a partir do
Governo anterior. Somente uma vez as contas de um Governo foram
rejeitadas por um tribunal, em 1937, na administração de Getúlio Vargas.
O tema é controverso e divide opiniões, pois, em tese, as chamadas
pedaladas ocorreram durante o primeiro Governo Dilma e, caso as manobras
sejam rejeitadas, não embasariam um pedido de impeachment. O TCU tem
recebido a visita de diversos ministros e integrantes do Governo,
incluindo Joaquim Levy, da Fazenda, para tentar convencer o tribunal que
não houve má-fé, mas sim que a equipe econômica anterior se utilizou de
expedientes já empregados no passado.
O temor é que um parecer desfavorável chegue a Cunha, que está com
‘sangue nos olhos’ e quer ver o circo pegar fogo. Se a sugestão do TCU
for pelo rejeição, tudo leva a crer que ele vai estudar como nunca o
regimento interno da Câmara para ver suas possibilidades de usar o
pedido como boia de salvação para sua própria sobrevivência política. Já
anunciou que a análise das contas é uma das prioridades assim que
voltar do recesso do Congresso, em agosto.
Ao encampar o assunto que ganhou apoio de movimentos populares
anti-PT, o deputado ganharia sobrevida política em meio ao furacão da
Lava Jato que o atingiu em cheio na semana que passou. A análise em
Brasília é de que hoje haveria mais de 240 deputados propensos a apoiar
um pedido de impeachment de Dilma. Faltariam uns cem para ter maioria.
“O apoio aumenta ou diminui dependendo do noticiário e da relação
política com o governo”, segundo o portal Visão Nacional.
Até o momento, o noticiário não é o mais favorável a Cunha pela sua
reação intempestiva que se seguiu ao depoimento de Camargo. O
parlamentar procurou desqualificar o trabalho do Ministério Público e do
juiz Sergio Moro, garantindo que haveria influência do Governo para o
relato do lobista. A tese, porém, é muito frágil, uma vez que a suposta
ingerência do Executivo rendeu zero resultado para os próprios petistas
envolvidos na Lava Jato. Mas, ninguém se atreve a ter certezas diante de
um quadro como o atual.
O Planalto soltou uma nota nesta sexta dizendo esperar que o
rompimento anunciado por Cunha “não se reflita nas decisões e nas ações
da Presidência da Câmara que devem ser pautados pela imparcialidade e
pela impessoalidade”. Neste sábado, o deputado afirmou que “Não existe
pauta de vingança e nem pauta provocada pela minha opção pessoal de
mudança de alinhamento político”. “O que existe é eu, como político e
deputado, exercer a minha militância defendendo uma posição diferente da
que defendia antes. Não tenho histórico de ajudar a implementar o caos
na economia por pautas que coloquem em risco as contas públicas.”
Num momento de economia frágil, jogar propositadamente contra as
medidas que ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso aparenta ser um
jogo arriscado que pode se voltar contra ele. Manter Dilma acuada é
manter também a recuperação da economia num fio da navalha, uma vez que a
crise política alimenta a turbulência econômica.
Nesta sexta, nove governadores do Nordeste, dos quais três do PT,
lançaram um manifesto de apoio à presidenta Dilma Rousseff. No
documento, eles afirmam que consideram “incabível” a interrupção do
mandato presidencial e defendem que o mandato de quatro anos determina
um prazo para que os compromissos de campanha sejam cumpridos e os
desafios, vencidos. Curiosamente, um dos nomes que assinam o manifesto é
Renan Calheiros Filho, governador de Alagoas pelo PMDB, e filho do
presidente do Senado, Renan Calheiros, um dos quatro cavaleiros do PMDB -
os outros são Cunha, o vice-presidente Michel Temer e o senador Eunício
Oliveira.
O momento é visto com muita preocupação por todos os setores
políticos. Neste sábado, o presidente do PSDB, Aécio Neves, disse, por
meio de nota, que o partido acompanha com preocupação o agravamento do
quadro político no país. “Continuaremos atentos ao nosso papel de
defender as nossas instituições para que elas cumpram suas funções
constitucionais. Todas as denúncias têm que ser investigadas, respeitado
o amplo direito de defesa”, afirmou Neves. Como ele, o mundo político
está escolhendo as palavras com cautela tentando ganhar tempo para
enxergar melhor o espaço para tomar posições depois do terremoto Cunha.
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