A paisagem política da União
Europeia (UE) transformou-se radicalmente nos últimos 12 meses: o
primeiro-ministro britânico David Cameron se demitiu, seu colega
italiano, Matteo Renzi, também, e o presidente francês, François
Hollande, anunciou sua despedida. Além disso tudo, o Reino Unido, deu
adeus à União Europeia.
Sem dúvida, 2016 foi um ano de mudanças
na Europa. E 2017 deve ser crucial para o bloco político formado por 28
países do continente.
França
e Alemanha, os dois países mais importantes da UE em termos de
população e peso econômico e político, vão às urnas para eleições gerais
respectivamente em abril e setembro.
O mesmo ocorrerá na Holanda, em março, e na República Tcheca, em outubro.
E
na Itália, o futuro político é incerto depois da renúncia de Renzi,
derrotado no referendo sobre a reforma constitucional realizado no dia 4
de dezembro.
Se um novo governo não for formado, a terceira economia da Zona do Euro poderá convocar eleições antecipadas em 2017.
A 'batalha' por Paris
De
todos essese pleitos, o que mais preocupa por suas potenciais
consequências para o futuro da Europa é a eleição francesa, por causa do
bom desempenho, nas pesquisas, da Frente Nacional, de extrema-direta.
"Grande parte da atenção estará voltada para a França. A Frente
Nacional é uma ameaça potencial para os partidos tradicionais na eleição
presidencial", diz Thomas Christensen, professor de Ciência Política da
Universidade de Maastrich, na Holanda.
"O partido adotou uma
posição bastante eurocética e Marine Le Pen (presidente do partido)
falou em realizar um referendo sobre a permanência na União Europeia. No
atual clima político, não se pode saber o que vai acontecer, mas poderá
ser muito prejudicial para a UE", completou.
"Em compensação, na
Alemanha espera-se um grau maior de continuidade depois das eleições. É
bastante improvável que o governo atual mude", continuou, em entrevista à
BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Na França, o primeiro
turno das eleições presidenciais será no domingo, 23 de abril. Caso
nenhum candidato vença com maioria simples, haverá um segundo turno, no
dia 7 de maio.
O atual presidente francês, o socialista François
Hollande, já anunciou que não disputaráa eleição. Mas seu partido, que
realizará primárias agora em janeiro, ainda não tem candidato.
François
Fillon, candidato dos republicanos, o principal grupo da oposição
conservadora, lidera as pesquisas com cerca de 30% das intenções de
voto.
A apenas um ponto percentual dele está Marine Le Pen, da Frente Nacional.
Se
esta tendência for mantida nos próximos meses, a França decidirá no
segundo turno entre o candidato que foi primeiro-ministro entre 2007 e
2012, no governo de Nicolas Sarkozy, e a filha do histórico líder da
extrema-direita Jean Marie Le Pen.
Diante deste cenário hipotético, os analistas consultados acham improvável que Le Pen chegue à presidência da França.
"Na
França, o fato de haver dois turnos nas eleições presidenciais torna
muito mais possível que haja um pacto entre as demais forças para não
apoiar o candidato da extrema-direita", diz Pol Morillas, pesquisador de
assuntos europeus no Centro para Assuntos Internacionais de Barcelona
(Cidob), na Espanha.
Xenófobos e eurocéticos
Os
analistas não ignoram o surpreendente resultado do plebiscito na
Grã-Bretanha aprovando a saída da UE e o crescimento dos movimentos de
extrema-direita de caráter xenófobo e geralmente eurocéticos.
Entretanto,
os especialistas acreditam que o risco de surpresas como as de
plebiscitos recentes (Grã-Bretanha, Itália) é bem menor em eleições
gerais ou presidenciais.
Nos plebiscitos há apenas duas opções
para o voto; em eleições gerais há mais opções - e ainda existe a
possibilidade de coalizões e pactos.
Assim, se reduzem as opções de chegada ao poder dos grupos de extrema-direita. Não apenas na França, afirmam os analistas.
"Na
Holanda é muito provável que Wilders (líder do Partido da Liberdade, de
extrema-direita) tenha um bom resultado nas eleições. Mas o sistema
proporcional holandês permitirá pactos que podem deixar a
extrema-direita de fora do governo e limitar sua influência direta", diz
Morillas.
"No caso da Alemanha é pouco provável que a Alternativa para a
Alemanha (FPÖ, legenda populista de direita) tenha um peso forte. No
momento, parece que Angela Merkel continuará sendo a primeira-ministra",
afirmou.
Pesquisas recentes dão uma ampla vantagem à atual
governante alemã, com 35% das intenções de voto contra 22% do Partido
Socialista e 13% do Alternativa para a Alemanha.
Problemas que ultrapassam fronteiras
Mas
quais são os grandes temas de fundo destas eleições? Existem assuntos
que afetam o conjunto da Europa que vão mais além do interesse nacional e
das fronteiras geográficas?
"Olhando a UE no seu conjunto, vemos questões comuns como as
desigualdades sociais e as políticas de austeridade, de um lado e a
imigração e a integração das minorias, do outro".
"Os dois
assuntos se associam à filiação dos países à UE. De fato, existe uma
tendência comum na qual os movimentos populistas tentam vincular o bloco
europeu aos desafios enfrentados pela população nas questões internas
dos países", afirma Christensen.
O professor Richard Whitman,
diretor do Centro Europa Global (GEC, na sigla em inglês) da
Universidade de Kent, no Reino Unido, concorda que as atitudes dos
candidatos diante da imigração e dos pedidos de asilo vão ser questões
eleitorais decisivas.
E acrescenta dois temas de política externa à lista de preocupações comuns europeias.
"As
relações com os Estados Unidos, que talvez não sejam um grande tema de
campanha, serão importantes para que os candidatos se elejam. Eles vão
ter que dizer como querem se relacionar com o governo Trump".
"E
outra questão será provavelmente o Brexit. Menos como tema principal de
campanha, mas para estabelecer como será feita a saída do Reino Unido",
sugere. "Há partidos, como a Frente Nacional, que farão campanha por uma
relação diferente entre França e UE caso ganhem. E isso é uma questão
existencial para a UE."
Os (inesperados) efeitos do Brexit
A
inesperada vitória do "sim" no plebiscito sobre a saída do Reino Unido
da UE, realizado em junho de 2016, foi o maior triunfo de grupos
eurocéticos na Europa até o momento.
No meses seguintes à
votação, falou-se de uma crise profunda no projeto europeu. No entanto,
passados quase sete meses, o resultado do Brexit pode causar um efeito
contrário na UE.
"O plebiscito no Reino Unido e os problemas que desencadeou chamam a
atenção de todos os eleitores da Europa. Segundo as pesquisas que vi,
desde julho as atitudes em relação à UE são mais positivas".
"As pessoas se deram conta do que está potencialmente em jogo com a saída da UE", sugere Christensen.
"Creio
que o que se espera de 2017, do ponto de vista da UE, é ver se
realmente os três grandes países que seguem no bloco depois do Brexit -
França, Alemanha e Itália - continuarão sendo pilares estáveis do
projeto europeu".
"Neste sentido, 2017 é um ano muito decisivo para a UE", conclui o analista.