domingo, 25 de março de 2018

Área de conservação da Caatinga revela maior concentração de sítios arqueológicos do Brasil

A proposta de criação de um mosaico de unidades de conservação dos últimos remanescentes em área contínua do bioma Caatinga no Brasil, do tamanho de 850 mil campos de futebol, no sertão da Bahia, abriu as portas para a descoberta do que pesquisadores chamam de a maior concentração de sítios arqueológicos do país.
São cerca de 3 mil sítios em rochas de boqueirões e grotas, onde pinturas rupestres revelam, segundo arqueólogos, um homem pré-histórico de "mente aberta" e "avesso a rótulos", que teria vivido há 16 mil anos e era coletor, caçador, pescador e agricultor.
Chamado de "índio Tapuia" (etnia usada para denominar todo índio que não era Tupi Guarani), esse homem, que é uma mistura de várias etnias e raças, foi a base para a formação do povo sertanejo. Ele chegou à América do Sul pelo oceano Pacífico, vindo de locais ainda incertos para a arqueologia.
Entre seus habitats estava o Vale do São Francisco, com concentração no território do município baiano de Sento Sé. O "índio" foi miscigenado com outras raças após a colonização portuguesa, há pouco mais de 500 anos, indicam arqueólogos.
Os pesquisadores também encontraram na região ossos de animais pré-históricos, como a preguiça-gigante, de 6 metros de altura, e do tatu-gigante, do tamanho de um Fusca.
A descoberta dos sítios têm empolgado não só pesquisadores, mas também o setor turístico, que vê a riqueza arqueológica local com forte potencial para atrair turistas, a exemplo do que ocorre no Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí) - onde mais de 1,3 mil sítios arqueológicos já foram descobertos em mais de 40 anos de pesquisa.
No sertão da Bahia, os sítios estão numa região conhecida como Boqueirão da Onça, que há décadas também chama a atenção de pesquisadores pela fauna e flora do bioma Caatinga. Recentemente, após 16 anos de estudos, o Ministério do Meio Ambiente concluiu uma proposta para a criação das unidades de conservação na região.
A proposta é um parque nacional de 345,3 mil hectares para proteção integral do bioma e uma APA (área de proteção ambiental) de 505,6 mil hectares, onde será possível o uso sustentável dos recursos naturais. A área total abrange os municípios baianos de Sento Sé, Campo Formoso, Sobradinho, Juazeiro e Umburanas.
A finalização da proposta, com o envio à Casa Civil da Presidência de documentos pendentes, ocorreu nesta terça-feira (13). Não há prazo para ela ser analisada pela pasta, mas isso "deve ser realizado em tempo curto", informou a Casa Civil. Depois, a criação do parque nacional e da APA devem virar decreto presidencial.
Como dentro do parque nacional não há comunidades ou empreendimentos, não será necessário gasto público com indenizações. Dentro da APA, porém, vivem cerca de 250 famílias em 27 comunidades de fundos de pasto e quilombolas. Há ainda empreendimentos de energia eólica que ocupam cerca de 30% do território da área de proteção a ser criada.

'Homem metafórico'

Os sítios arqueológicos estão dentro da área onde será o parque nacional. Eles começaram a ser estudados na década de 1970, durante a construção da barragem de Sobradinho. Na época, o arqueólogo espanhol Valentim Calderón coordenou o Projeto Sobradinho de Salvamento Arqueológico numa área de 4.214 km².
O trabalho de Calderón nos territórios de Casa Nova, Remanso, Pilão Arcado (à margem esquerda do rio São Francisco) e de Juazeiro, Sento Sé e Xique-xique (margem direita) identificou os primeiros sítios rupestres da região.
As pinturas foram definidas por ele como arte parietal (de homens que viveram na Idade das Renas, entre 15000 a.C. e 9000 a.C), divididas em pictografias (representação de ideias por meio de desenhos) e petroglifos (escultura bruta em pedra).
Após o Projeto de Salvamento Arqueológico, as pesquisas só voltaram a ocorrer na região na década de 1990, com o arqueólogo Celito Kestering, discípulo de Calderón e hoje doutor em Arqueologia na área de pinturas rupestres.
O arqueólogo é professor aposentado da Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco), em Petrolina (PE), e pesquisa os sítios arqueológicos de Sento Sé desde 1993. Ele os classifica como "metafóricos", enquanto que os da Serra da Capivara, onde também realizou estudos, seriam "metonímicos".
Para ele, "o metafórico tem o conceito de bem sem precisar ter a representação da imagem de um Deus macho, pai, castigador, como tem o metonímico, que incorpora um conceito cujo horizonte não vai além da figura rupestre."
"Os que moravam na beira do Rio São Francisco eram coletores, caçadores, pescadores e agricultores. Os metonímicos se orientam só pelo espaço, não têm a dimensão do tempo. Os metafóricos se orientam muito mais pelo tempo do que pelo espaço", diz Kestering.

Potencial turístico

Mesmo que ainda não esteja regularizada, a visitação turística já vem ocorrendo na região de Sento Sé por causa dos sítios arqueológicos, tendo sido esse, inclusive, um dos motivos de o município ser elevado de categoria no novo Mapa do Turismo, divulgado há cerca de um mês pelo Ministério do Turismo.
O mapa elevou Sento Sé da categoria E para a D, numa escala que vai de E até A. Assim, a cidade passou a ter direito a pedir ao ministério R$ 150 mil por ano para realização de um único evento turístico. A Secretaria Municipal de Turismo de Sento Sé informou que busca recursos com governos para poder criar meios de organizar as visitas aos sítios e divulgá-los.
"Temos um potencial grande para isso e queremos aproveitar, mas com cuidado", comenta Mariluze Amaral, chefe do Departamento de Turismo. A ideia é promover o ecoturismo em trilhas nos circuitos arqueológicos, com passagens por caminhos percorridos pelo sertanista e explorador de ouro Romão Gramacho, o cangaceiro Lampião e a Coluna de Carlos Prestes.
Por se tratar de algo ainda não regulamentado, a Prefeitura de Sento Sé diz não dispor de informações sobre a quantidade de turistas que tem ido aos sítios, mas diz que tem buscado conversar com guias locais para fazerem um trabalho mais qualificado.
Um dos que atuam com turismo na região é o empresário Bruno Kestering, filho do arqueólogo Celito. As visitas aos sítios, segundo ele, "são realizadas mais por escolas da região, que costumam ir em grupo de 50 pessoas".
Devido à proximidade com as principais cidades da região do Vale do São Francisco - a baiana Juazeiro e pernambucana Petrolina, separadas pelo rio -, os sítios mais frequentados são os de Sobradinho, onde foram realizados os estudos iniciais pelo arqueólogo espanhol Valentin Calderón.
Alvandyr Dantas Bezerra, pesquisador do Instituto Habilis e do Grupo de Pesquisa Bahia Arqueológica, realizou em 2017 levantamento de sítios arqueológicos na região de Sento Sé com vistas à criação de um circuito de turismo, a pedido da prefeitura local.
"O potencial turístico lá é enorme. O que deu para perceber, de início, é que muitos (sítios) terão de ficar disponíveis para visitação, e outros para pesquisa científica", contou. Na Serra da Capivara, por exemplo, a visitação é aberta em 173 sítios.
Bezerra estima que, saindo o decreto presidencial que criará o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, o projeto de visitação inicial dos sítios pode ficar pronto em dois anos - com o tempo mais locais podem ser liberados para visitas. Mas isso depende ainda da elaboração do plano de manejo pelo Ministério do Meio Ambiente.
"Com o decreto, vamos dar início à elaboração desse plano e liberar locais onde possa ocorrer a visitação turística. Em vez de fazer um plano de manejo completo, que contemple tudo, vamos fazer aos poucos para que as visitas possam ocorrer, tanto nos sítios arqueológicos quanto na área da Caatinga", diz Moara Menta Giasson, diretora de áreas protegidas da Secretaria de Biodiversidade do ministério.

Onça em extinção

Os sítios arqueológicos de Sento Sé fazem parte de um bioma ainda desprotegido pelo poder público. E não só eles estão nesta situação, como também cerca de 30 onças pintadas e 120 pardas, dentre outros mamíferos, aves e plantas diversas que habitam exclusivamente o bioma Caatinga.
Entre outros representantes da fauna em extinção no Boqueirão da Onça estão o tamanduá bandeira, o tatu-bola, o gato mourisco e o gato-do-mato. Entre as aves em risco estão a arara-azul-de-lear e o jacu estalo.
Répteis, anfíbios e insetos ainda a serem estudados completam o quadro da fauna selvagem do Boqueirão, onde está também a maior caverna do Brasil, a Toca da Boa Vista, com 93,7 km de extensão - e alvo de pesquisas científicas.
A flora nativa apresenta grande diversidade - recentemente, 97 novas espécies foram catalogadas. O Boqueirão da Onça é "a última grande área selvagem de todas as caatingas do Nordeste brasileiro", destaca o pesquisador José Alves Siqueira, doutor em biologia vegetal pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e autor do livro Flora das Caatingas do Rio São Francisco: história natural e conservação.
"Pesquisas iniciadas em 2006 apresentam uma flora rica, com mais de 900 espécies de plantas reunidas em 120 famílias botânicas, com espécies endêmicas da Caatinga, ameaçadas de extinção e até novas espécies que serão apresentadas brevemente à comunidade científica e que já se encontram no limiar da extinção", informa.
As discussões sobre a proteção da área com a criação de um parque nacional começaram em 2001. A ideia inicial era proteger um território de cerca de 900 mil hectares, mas interesses econômicos de mineradoras que buscavam as pedras de ametistas da região e empresas de energia eólica provocaram o atraso na definição de como seria o parque.
Em 2017, o Boqueirão da Onça ganhou destaque com a descoberta de uma jazida de ametista que provocou uma corrida com cerca de 20 mil garimpeiros de todo o Brasil. As comunidades locais reclamam de abusos e violência, além da extração de madeira, caça de animais silvestres e furto dos rebanhos.
A definição só veio em 2017, quando se decidiu criar um parque nacional numa parte do bioma e a APA na outra. A diferença crucial entre as duas é que, diferente do parque nacional, na APA pode haver atividades econômicas, desde que respeite as regras do decreto que cria a área de proteção ambiental. A área do garimpo, contudo, ficou de fora das duas áreas.
"Assim, as atividades de energia eólica vão poder continuar sem problemas, e ela também é incentivada por nós por ser uma fonte de energia limpa. A região do Vale do Boqueirão da Onça é uma das que tem mais potencial para a geração desse tipo de energia", diz André Luís Luma, coordenador-geral de Políticas para Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente.
Maior felino das Américas, a onça pintada tem na região um dos principais refúgios em área natural. A espécie já perdeu 55% da área de sua distribuição original e, atualmente, a maior parte de suas subpopulações está ameaçada de extinção. No Brasil, a onça pintada está criticamente ameaçada na Caatinga e na Mata Atlântica.
Projetos também estão sendo desenvolvidos com vistas à proteção animal, com foco nas onças, vítimas criadores de animais da região, sobretudo ovinos e caprinos, fonte de alimento das onças, ao lado de outros mamíferos, como as capivaras.
"Estamos incentivando os produtores a construir currais para guardar os animais à noite, pois os deixam soltos e aí as onças atacam. É difícil elas virem até os currais e atacar durante o dia", diz Rogério Cunha de Paula, coordenador substituto do Cenap (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros), ligado ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade).
O Boqueirão também tem papel-chave na segurança hídrica na região. Importantes nascentes localizadas nos planos mais altos irrigam o solo seco do sertão, garantindo condições de vida para comunidades urbanas e rurais.
Algumas dessas nascentes foram incluídas nos limites do futuro parque nacional, cuja criação é esperada também por entidades internacionais de proteção ambiental, como a WWF.
"Hoje, dos 11% restantes da vegetação original da Caatinga, apenas 2% é legalmente protegida. Então, qualquer iniciativa de conservação na Caatinga é bem-vinda", diz Jaime Gesisky, especialista em Políticas Públicas da ONG WWF-Brasil.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Marielle era uma das 32 mulheres negras entre 811 vereadores eleitos em capitais brasileiras

Marielle Franco foi uma das 32 mulheres negras eleitas vereadoras nas capitais brasileiras em 2016. Trinta e duas, ou 3,9%, de um total de 811 vereadores eleitos nas capitais.
Agora são 31. Marielle, quinta vereadora mais votada da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, pelo PSOL, foi assassinada na noite desta quarta, 14.
Marielle foi também a única mulher declarada preta a ser eleita como vereadora do Rio de Janeiro, a quinta mais votada da Câmara Municipal da cidade. Uma mulher autodeclarada parda, Tânia Bastos (PRB), também foi eleita. Eram duas mulheres em um total de 51 vereadores. As classificações "preta" e "parda" são adotadas pelo IBGE, que não utiliza a categoria "negra".
Para especialistas, o assassinato de Marielle representa um revés no combate à subrepresentatividade racial e de gênero na política brasileira e, portanto, dizem, também à democracia.
"Somos menos democráticos quando temos uma representação racial homogênea na política", diz Rosane Borges, pós-doutora em Ciência da Comunicação e professora do Celac (Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação) da USP, observando que é preciso inserir nos espaços de poder "a pluralidade que é intrínseca à democracia" - e à sociedade brasileira.
As mulheres negras no Brasil correspondem a cerca de um quarto do total da população, segundo dados do IBGE. Mesmo assim, em todas os municípios brasileiros, foram eleitas para câmaras municipais 2.874 mulheres negras -elas não chegam a 5% do total de vereadores, 57,8 mil. Os dados sobre sexo e cor dos vereadores eleitos foram retirados do site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e consideram a cor autodeclarada pelo candidato, informada no pedido de registro à Justiça Eleitoral.
Para Bruna Cristina Jaquetto Pereira, doutora em sociologia pela Universidade de Brasília que estuda a violência contra a mulher negra, "a maior parte dos movimentos de base no Brasil são compostos por mulheres negras". "Tem-se a falsa ideia de que as mulheres negras não participam da política, mas elas são as que lidam diretamente com os problemas estruturais da sociedade brasileira. Elas se mobilizam no nível mais básico, fazendo a política do cotidiano, desde a participação em associações de bairro até a mobilização em grupos contra a violência de jovens negros assassinados, seus filhos."
Mas o problema, aponta, é que, embora façam a política de cotidiano, as mulheres negras não são reconhecidas como parte da política e, por isso, não são alçadas para o lugar de representantes.
Na opinião de Cristiano Rodrigues, professor do departamento de Ciência Política da UFMG que estuda a participação política de negros no Brasil, "Marielle e Áurea Carolina [vereadora do PSOL mais votada para a Câmara de Belo Horizonte], entre outras poucas, são infelizmente a exceção da exceção da exceção".

Importância

Existem duas principais correntes que discutem a representação na política, explica Rodrigues. A primeira fala em "representação substantiva", em que os políticos não necessariamente se "autorepresentam", podendo apresentar ideias que interessam a grupos distintos aos seus.
A segunda corrente, com a qual concorda, diz ele, é a de "representação adscritiva", "de que, na ausência de mulheres ou minorias nas legislaturas, os temas que são importantes para eles acabam sendo votados por um viés não condizente com seus interesses".
O pesquisador cita como exemplo o debate sobre o aborto na Câmara dos Deputados. No fim do ano passado, 18 deputados votaram a favor de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que restringiria o aborto em casos já permitidos pela legislação brasileira. A única mulher presente na comissão, a deputada Erika Kokay (PT-DF), votou contra.
"Mulheres negras na política democratizam seus próprios partidos, apresentando pautas que não foram pensadas anteriormente, que foram invisibilizadas, porque elas não estavam lá. E influenciam na ação política como um todo", afirma Rodrigues.

Causa

Para Rosane Borges, da USP, a incongruência da representatividade feminina negra em relação à demografia brasileira "se explica pelo machismo e pelo preconceito racial".
"Desde as dificuldades que as mulheres têm de financiamento, de apoio da própria legenda - e muitas vezes as mulheres trazem pautas incômodas até para os próprios partidos - até o imaginário que existe sobre quem deve nos representar", diz Borges, dando como exemplo um pensamento recorrente: "'Eu delego o poder a quem eu acho que tem o poder.' E normalmente essa pessoa é o homem branco, rico e hetero."
"Infelizmente, ainda pensamos a representatividade a partir do lugar de poder, de quem pode, em tese, nos ajudar. E uma mulher negra é vista como uma pessoa 'faltante'. Pensa-se: 'O que ela pode fazer por mim, se ela é alguém a quem tudo falta?'"
Rodrigues, da UFMG, diz que há dois elementos que alçam uma candidatura: a capacidade de mobilização financeira e a insersão de atores políticos em famílias políticas. Considerando isso, as mulheres negras enfrentam múltiplos problemas: "Estando na base da população brasileira, recebendo menos que o homem negro, menos que a mulher branca e, por fim, menos que o homem branco, têm dificuldade de mobilização de recursos", diz. Além disso, "os partidos tendem a valorizar e investir mais financeiramente nas candidaturas masculinas." E, ainda, mulheres negras não pertencem a famílias políticas - pelo contrário, representam uma renovação na política.

'Nossa voz incomoda'

"Não é só chegar lá, mas ter condições de permanecer", diz Gabriela Vallim, jovem negra de 23 anos. "Nossa voz incomoda."
Aos 21 anos, Vallim foi coordenadora de Políticas para Juventude da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, durante a gestão Fernando Haddad (PT). Criada em Itaquera, bairro periférico da zona leste de São Paulo, e filha de professora da rede pública que completou o ensino superior depois dos 40 anos, conta que sempre ouviu da mãe: "As coisas sempre vão ser mais difíceis para você porque você é uma mulher negra".
Vallim diz que o sentimento geral entre ela e várias jovens lideranças que conhece, depois que souberam do assassinato de Marielle Franco, é de desesperança. "A luta pela representatividade e inserção nos espaços de poder é muito grande. Fazemos parte de uma população que ficou muito tempo afastada desses ambientes", observa. "Quando começamos a ocupar esses espaços, muitas vezes nos falta preparo técnico - não íamos visitar as empresas dos nossos pais depois da escola, por exemplo. Também nos falta dinheiro."
"Normalmente, não temos opção de voto em gente que se parece com a gente. E é um super trabalho chegar lá. E aí, quando chegarmos lá, podemos morrer?", questiona ela.
Vallim liderou a área de políticas para juventude de São Paulo depois de anos engajada em temas relacionados à educação e segurança de jovens da periferia. Aos 21, representou o Brasil na Conferência Geral da ONU sobre os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável. Quando voltou, foi nomeada para o cargo da prefeitura.
Mas um acontecimento inesperado fez com que ela desistisse de ocupar cargos públicos.
"Eu era uma das únicas da secretaria que moravam na periferia. Fiz um acordo para que pudesse voltar para casa de carro oficial depois de comparecer a eventos e debates que terminassem tarde da noite. Uma noite, disseram que eu não poderia voltar de carro oficial. Chegando em casa, a pé, fui assaltada. Foi traumático. Pensei: 'preciso conseguir cuidar da minha vida para cuidar da vida das outras pessoas'."
Hoje, ela trabalha na iniciativa privada.

Soluções

Para aumentar o número de mulheres negras representantes na democracia brasileira, especialistas sugerem algumas medidas.
Hoje, as coligações são obrigadas a reservar 30% de suas candidaturas a mulheres. Mas isso nem sempre ocorre - e, para cumprir a cota, há casos de "candidatos fantasmas", que não recebem votos nem deles mesmos. Segundo Rodrigues, da UFMG, "90% desses candidatos fantasmas são mulheres".
Uma das propostas discutidas além da cota para candidaturas é a reserva de assentos para mulheres eleitas, não só candidatas. Rodrigues aponta que há regras assim em alguns países da América Latina, como a Bolívia e a Argentina.
Outra é a divisão do financiamento de cada partido de maneira igualitária para todos os candidatos.
Uma terceira via é o voto em lista fechada (proposta em que o eleitor vota na legenda e o total de votos é distribuído aos candidatos na ordem da lista) que tenha alternância de gênero. Assim, explica Rodrigues, "se um partido consegue coeficiente eleitoral que lhe permita eleger quatro candidatos, dois serão homens e duas serão mulheres". Para contemplar mulheres e homens negros, essa ideia também propõe que o número de candidatos negros seja proporcional à população negra da localidade.
Apesar da baixa representatividade das mulheres negras nos espaços de poder no Brasil, Rosane Borges, da USP, defende que o país tem melhorado no quesito, embora sempre com tensões. "Temos muitas conquistas e avanços. Mas esses avanços são acompanhados por retrocessos, confisco de direitos. Não é um caminho linear, evolutivo, progressivo", diz.
Para Bruna Pereira, da UNB, "ter representação de minorias aumenta a qualidade da democracia". "As pessoas negras não querem mais ser representadas pelos brancos. Queremos nós mesmos representar."

segunda-feira, 5 de março de 2018

Único inscrito, Alckmin vira pré-candidato à presidência

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foi o único inscrito nas prévias que definiriam o candidato do PSDB à Presidência da República e, dessa forma, a consulta interna não será realizada e o governador torna-se oficialmente o pré-candidato tucano ao Palácio do Planalto na eleição de outubro.
Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, em evento do Partido da Social Democracia do Brasil (PSDB) em Brasília, Brasil
09/12/2017
 REUTERS/Adriano Machado
Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, em evento do Partido da Social Democracia do Brasil (PSDB) em Brasília, Brasil 09/12/2017 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters
De acordo com o presidente da comissão responsável pelas prévias do partido, deputado Marcus Pestana (MG), Alckmin, que também ocupa o cargo de presidente nacional do PSDB, se inscreveu com o apoio de 40 dos 46 deputados tucanos e de 10 dos 11 senadores da legenda. O apoio exigido para participação no processo interno era de 20 por cento das bancadas de deputados e senadores.
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"Agora então nós vamos operacionalizar, queimada esta etapa. Vamos reunir a Executiva no dia 13 para já traçar um plano de trabalho e uma estratégia para a pré-candidatura", disse Pestana, que também é secretário-geral do PSDB, à Reuters por telefone.
"Durante março, ele (Alckmin) ainda estará focado em ser o melhor governador possível, consolidando o balanço de suas realizações, fazendo inaugurações. A partir de abril, aí sim, é começar a viajar os Estados", acrescentou, se referindo ao prazo de desincompatibilização para poder disputar a eleição, no início de abril.
A oficialização de Alckmin como candidato do partido terá que esperar, no entanto, até pelo menos 20 de julho, quando começa o período previsto na legislação para as convenções que definiram os nomes que disputarão o Planalto.
Além de Alckmin, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, havia anunciado intenção de disputar as prévias tucanas, mas no último dia 23 anunciou que não participaria, por discordar do formato das prévias, especialmente da previsão de apenas um debate entre os postulantes à candidatura.
Ao anunciar que não participaria das prévias, Virgílio classificou o processo interno de "fraude" e disparou contra Alckmin, afirmando não respeitar mais o governador e dizendo sentir incompatibilidade com a ideia de votar no correligionário na eleição de outubro. Alckmin respondeu afirmando que o prefeito havia sido injusto com ele e com a legenda.
Alckmin, de 65 anos, está no quarto mandato como governador de São Paulo, deverá disputar a Presidência da República pela segunda vez. Em 2006 chegou ao segundo turno, mas foi derrotado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Além do governo do Estado, Alckmin, que é um dos fundadores do PSDB, foi vereador e prefeito de Pindamonhangaba, sua cidade natal. Foi também deputado estadual e federal por São Paulo antes de ser eleito vice-governador na chapa encabeçada por Mario Covas, em 1994 e 1998. Assumiu o governo paulista em 2001 com a morte de Covas e foi reconduzido ao cargo na eleição de 2002.
Após a derrota eleitoral de 2006, perdeu a disputa pela prefeitura de São Paulo dois anos depois, antes de se eleger governador mais duas vezes, em 2010 e 2014.