quinta-feira, 28 de junho de 2018

Cinco coisas importantes que aconteceram no Brasil enquanto a bola rolava na Copa

Às vésperas da definição das partidas das oitavas de final, a Copa do Mundo da Rússia dominou o noticiário nos últimos seis dias.
Enquanto as atenções se voltavam para as atividades da Seleção Brasileira em São Petersburgo e em Moscou, no entanto, muita coisa aconteceu no Brasil e no mundo.
O STF suspendeu o julgamento de Lula - e depois decidiu retomá-lo - e soltou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, enquanto o Congresso deu sequência à tramitação do PL (projeto de lei) dos Agrotóxicos.
A BBC News Brasil explica cinco notícias fora da Copa do Mundo que surgiram entre a vitória da canarinho sobre a Costa Rica e o 2 a 0 contra a Sérvia de quarta-feira, caso você tenha perdido.

Supremo, Lula, Dirceu e 'máfia da merenda'

Na noite de sexta-feira, depois de o Brasil bater a Costa Rica, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin arquivou o pedido de liberdade feito pela defesa do ex-presidente Lula e que seria julgado pela Segunda Turma da corte na terça-feira.
A defesa recorreu e, já na segunda-feira, o magistrado recolocou o pedido da pauta - mas o enviou ao Plenário do STF. Como foi dado prazo de 15 dias para a Procuradoria Geral da República (PGR) se manifestar e o Supremo entra em recesso em julho, o julgamento deve acontecer apenas em agosto.
A mudança foi vista como desfavorável para o petista, preso em Curitiba desde 7 de abril, já que a Segunda Turma - composta pelos juízes Ricardo Lewandowski, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello - hoje tem viés mais "garantista", pois tende a dar mais peso em suas decisões aos direitos dos acusados no processo.
Já o plenário, formado pelos onze ministros, tem se mostrado bastante dividido quando discute direitos fundamentais dos réus.
Na terça-feira, em uma sessão com direito a prorrogação no segundo tempo - que se estendeu das 9 h até o fim da tarde -, a Segunda Turma concedeu liberdade ao ex-ministro José Dirceu, preso havia um mês, e suspendeu a tramitação de ação penal contra o tucano Fernando Capez (SP), acusado por envolvimento na "máfia da merenda".
No caso do ex-ministro da Casa Civil de Lula, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entenderam que há chances reais da pena de Dirceu, condenado em segunda instância por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, ser modificada em instâncias superiores - o que, se confirmado, significaria que sua detenção não seria correta.
Nos dois casos, o placar foi de 3 a 1 - Fachin votou contra e Celso de Mello estava ausente na sessão.

Projeto que libera agrotóxicos avança

Na segunda-feira, a comissão especial da Câmara aprovou o Projeto de Lei dos Agrotóxicos (PL 6299/2002), que segue para o Plenário da Casa.
O texto, que tem dividido ruralistas e ambientalistas, passou após oito tentativas de votação nos últimos meses (uma das sessões, em 20 de junho, foi interrompida porque um "artefato suspeito", semelhante a uma bomba, foi encontrado na sala de votação).
Quem critica o projeto alega que ele aumentaria a disponibilidade de agrotóxicos no país, indo na contramão da Europa e dos EUA, que têm aprovado leis mais restritivas. A nova medida, dizem, favoreceria apenas os fabricantes dos químicos, facilitando a entrada de produtos possivelmente danosos à saúde e ao ambiente.
Os produtores, por sua vez, reclamam da demora na liberação dos agrotóxicos e dizem que, quando o governo autoriza a aplicação, os produtos já estão obsoletos. Os que defendem o projeto afirmam ainda que ele é mais eficiente e condizente com as normas internacionais de uso das substâncias.
Uma das principais controvérsias é a ideia de que agrotóxicos só serão proibidos no país caso apresentem "risco inaceitável", um conceito mais amplo que o estabelecido pela lei 7.802, de 1989, que proíbe substâncias que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas.
Outro ponto polêmico é a redução das competências de controle e fiscalização de órgãos como Anvisa e Ibama - que já se posicionaram publicamente contra o PL -, que perderiam parte das atribuições para o Ministério da Agricultura.
Os agrotóxicos não seriam mais avaliados e classificados por aqueles órgãos, que apenas homologariam a avaliação realizada pelas empresas registrantes de produtos agrotóxicos.
Até o nome que o Brasil dá a esses produtos entrou em discussão. Inicialmente, o PL sugeria que "agrotóxicos" fosse substituído por "produtos fitossanitários". Em resposta à reclamação de opositores, o relator do projeto, deputado Luiz Nishimori (PR-PR), decidiu pelo termo "pesticidas".

Inquérito contra Richa sai das mãos de Moro

Também na segunda, o juiz Sergio Moro encaminhou para a Justiça Eleitoral inquérito contra o pré-candidato ao Senado Beto Richa (PSDB).
Desde que renunciou ao mandato para concorrer e perdeu o foro privilegiado, em abril deste ano, o ex-governador do Paraná vinha sendo investigado na primeira instância por suposto caixa dois nas eleições de 2008, 2010 e 2014 exposto em delações da Odebrecht.
A defesa de Richa, entretanto, recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu que o inquérito deveria ser analisado pela Justiça Eleitoral.
No despacho, porém, Moro afirma que a competência é da Justiça Federal, já que os casos investigados não se tratariam "de mero caixa dois" e teriam indício de corrupção, e pede que os autos sejam devolvidos à 13ª Vara Federal para a continuação da análise dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude em licitação.
Em abril, dias depois de perder o foro privilegiado, o ex-governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, também escapou da primeira instância. No caso do tucano, o STJ enviou o inquérito diretamente para a Justiça Eleitoral do Estado, apesar do pedido da PGR para que fosse encaminhado pela Justiça Federal.
O ex-governador também é investigado por suspeita de ter recebido doações da Odebrecht que não teriam sido declaradas.

Vice-presidente americano visita o Brasil

Na véspera da partida entre Brasil e Sérvia, o vice-presidente americano, Mike Pence, desembarcou no Brasil. A Venezuela foi o principal tema da reunião com o presidente Temer, mas a situação das 49 crianças brasileiras que estão atualmente em abrigos nos EUA - resultado da política migratória do país, que está sob intenso debate - também foi discutida pelos dois.
O vice-presidente americano aproveitou para passar um recado aos brasileiros que eventualmente cogitem imigrar ilegalmente para o país: "Não arrisquem as suas vidas ou a de seus filhos tentando entrar nos Estados Unidos via contrabandistas e traficantes de pessoas. Se não têm condições de entrar legalmente, não venham."

Adolescente morre baleado a caminho da escola no Rio

Dois dias antes de o Brasil jogar contra a Costa Rica, na quarta-feira, o adolescente Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, foi ferido em um tiroteio no complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, durante uma ação da polícia contra o tráfico de drogas. Ele foi encaminhado para o hospital, mas morreu no dia seguinte.
O jovem foi atingido na barriga por uma bala perdida, enquanto caminhava para a escola, acompanhado da mãe.
Moradores de comunidades do Complexo da Maré, na zona norte da cidade, fizeram protestos após a morte do garoto e bloquearam trechos da avenida Brasil e das linhas Vermelha e Amarela.
A ONU chegou a se pronunciar sobre o caso e, em comunicado divulgado nesta terça, lamentou a morte violenta do estudante, que alimenta a vergonhosa estatística de 31 homicídios de crianças e adolescentes por dia no Brasil.
O órgão destacou que adolescentes negros estão três vezes mais vulneráveis a mortes violentas do que brancos da mesma faixa etária.

sábado, 9 de junho de 2018

'Passei 20 anos tentando provar que meu pai era um pedófilo assassino'

No dia 23 de fevereiro de 1957, uma garota de 11 anos, Moira Anderson, saiu da casa de sua avó na cidadezinha de Coatbridge, perto de Glasgow, na Escócia, para comprar gordura para cozinhar. Ela nunca voltou para casa.
"Era uma cidade muito pequena, onde todo mundo conhecia todo mundo. Então, era seguro deixar as crianças fazerem o que quisessem. Depois do desaparecimento de Moira, tudo mudou", relembra Sandra Brown, que tinha oito anos na época e morava a algumas ruas da família dela.
"Os pais diziam: 'não fique fora até tarde, lembre do que aconteceu com aquela garota'. Todo mundo ficou triste pela família, sabíamos que a mãe continuava colocando um prato na mesa para ela, que nunca reapareceu."
Na época, a suspeita recaiu sobre membros da família de Moira. Especulava-se que tivesse havido uma briga e que alguém tivesse perdido a paciência com ela.
"Seu tio, que a havia levado para tomar um chá naquele dia, foi alvo de boatos por muito tempo, porque teria sido a última pessoa a ver a menina", diz.
Sandra, no entanto, acredita firmemente que seu pai, Alexander Gartshore, estuprou e matou a menina – e há cerca de 20 anos luta para comprovar essa hipótese e encontrar seus restos mortais.

Predador de crianças

Cerca de dois meses depois do sumiço de Moira, o pai de Sandra, que era motorista de ônibus na cidade, de repente saiu de casa, sem dar maiores explicações.
"Me disseram que ele estava em um tipo de hospital que crianças não podiam visitar. E eu aceitei isso. Mas, aos 36 anos de idade, descobri por acidente que ele estava preso por estuprar minha babá, que era uma menina de 12 ou 13 anos."
Quando já vivia em outra região da Escócia, Sandra foi reconhecida por uma antiga vizinha, que se lembrava de seu pai e, sem saber, fez a revelação que mudaria sua vida.
"Naquele momento, muitas coisas começaram a fazer sentido, porque eu nunca me senti muito confortável perto do meu pai dos 5 aos 8 anos", conta.
"Meu pai tinha um carro, coisa que não era comum na época, e usava isso como atrativo para as crianças. E os pais das minhas amigas não viam problema em deixá-las sair para dar uma volta comigo e com meu pai."
"Mas aí ele me mandava comprar doces ou sorvetes. E agora percebo que havia sinais de que minhas amigas não estavam se sentindo confortáveis quando eu voltava. Ele as estava molestando. Eu me lembro delas me dizendo depois: 'Não posso mais brincar com você, meus pais não deixam'."

'Bonita demais para o seu próprio bem'

O pai de Sandra chegou a voltar a viver na casa da família após a prisão, mas os dois perderam o contato depois que ele fugiu com uma amante.
A menina tornaria-se professora e uma mãe superprotetora com os filhos, receosa do que aconteceu com suas amigas – e com Moira – pudesse acontecer também com eles.
"Eu tirei até licença para dirigir micro-ônibus para que eu mesma pudesse levar meus filhos nos passeios e piqueniques da escola e estar lá com eles", diz.
A escocesa só voltou a encontrar o pai em 1992, no funeral de sua avó. E, ao confrontá-lo sobre seu comportamento, teve mais uma revelação inesperada.
"Nossa conversa já estava desconfortável, mas, de repente, ele falou de Moira e perguntou se eu me lembrava dela. Eu disse que sim. E aí fiquei sabendo que, na verdade, ele foi a última pessoa a ver Moira, porque ela tinha subido no ônibus dele no meio da tempestade de neve que aconteceu naquele dia", conta.
"Foi tão chocante que demorou alguns minutos para que eu entendesse, mas eu estava determinada a conseguir respostas. Perguntei se ele conhecia Moira, e ele disse que não. E quando eu o perguntei se ele foi questionado pela polícia na época, ele disse que sim. Mas nunca tinha dito aquilo."
Sandra entrou em contato com a polícia e conseguiu rever o arquivo do antigo caso, que ainda era considerado apenas como "desaparecimento".
"Quanto mais falávamos sobre o caso, mais ficava claro que meu pai não havia sido questionado na época e não aparecia na investigação original", diz.
Só em 2010, depois de muita insistência, ela conseguiu que a polícia considerasse o sumiço de Moira como um assassinato na nova unidade de Cold Cases (algo como "casos antigos que não foram resolvidos", em tradução livre) criada pela força policial.
Seu pai, no entanto, havia morrido quatro anos antes, em 2006, aos 86 anos. "Eu consegui vê-lo pela última vez cerca de uma semana antes de ele morrer. Foi muito difícil. Eu queria que ele tirasse essas coisas do peito dele, pedi que ele pensasse na família de Moira", relembra.
"Ele deu desculpas horríveis, mas, em determinado momento, disse: 'Ela era bonita demais para seu próprio bem'. E depois falou que aquela criança o 'assombrou durante toda a vida'."
Naquele ano, Sandra publicou o livro Where There is Evil ("Onde Existe o Mal", em tradução livre), no qual fala de sua crença de que seu pai havia matado a menina.

Busca pelos restos mortais

Com o tempo, outras lembranças da infância fizeram com que Sandra tivesse mais convicção da responsabilidade do pai no sumiço e na morte de Moira Anderson.
"Eu tinha memória de vê-lo perto do parque onde todo mundo brincava. E uma vez ele estava tentando atrair duas meninas para seu carro com doces. Eram Moira e sua melhor amiga. Essa amiga está viva e confirmou para mim que isso realmente aconteceu", afirma.
"Também sei que o banco de trás do ônibus dele deitava, o que não era comum nos outros carros. Havia uma alavanca na frente que ele podia puxar. E ele costumava brincar com as pessoas, puxava a alavanca e elas caíam para trás."
Depois de reabrir o caso, os policiais entraram em contato com outras testemunhas em Coatbridge e fizeram uma linha do tempo precisa das últimas horas de Moira – até o momento em que ela entra no ônibus dirigido por Alexander Gartshore.
Em 2014, a polícia escocesa afirmou que o pai de Sandra era o principal suspeito da morte da menina e que, caso ele estivesse vivo, seria preso e acusado do crime.
"Está claro que ela entrou e nunca saiu dali. A última peça do quebra-cabeças é encontrar seus restos mortais", afirma.
Em entrevista ao programa de rádio Outlook, da BBC, em maio deste ano, Sandra disse que uma nova testemunha apareceu, com uma possível pista de onde o corpo de Moira Anderson pode ter sido colocado após sua morte. A polícia está investigando um túnel em desuso na região.
A professora escocesa também criou a Fundação Moira Anderson, para apoiar pessoas que foram diretamente afetadas pelo abuso sexual de crianças – seus familiares e cônjuges.
"Eu me atenho a algumas das boas memórias que tenho do meu pai, até os cinco anos de idade. Mas infelizmente, pesa mais o comportamento que ele teve depois. Isso me fez ser alguém que alerta as pessoas para que elas ouçam o que as crianças têm a dizer", afirma.
"É difícil quando a pessoa é um membro da família, você não quer confrontar a verdade. Mas quando você faz isso, a jornada que começa pode ser muito importante", conclui.