quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Cristina Kirchner deixa-se enredar em história de espiões

No último domingo, após ser acusada de manter silêncio sobre a morte de Alberto Nisman, o procurador que investigava o atentado a um centro judaico em 1994, a presidente argentina escrevia na sua página do Facebook o quanto lamentava o suicídio do homem que a acusava de ter encoberto espiões iranianos vistos como responsáveis por esse ataque há duas décadas. Três dias depois, Cristina Kirchner volta ao tema na rede social para rejeitar a tese de suicídio: “A verdadeira operação contra o Governo era a morte do procurador depois de ter acusado a presidente”.

O procurador Alberto Nisman deveria ser ouvido na segunda-feira no Congresso sobre a investigação ao atentado contra a sede da AMIA, o maior centro judaico na Argentina, faz duas décadas. Nisman preparava-se para envolver a presidente no cenário de uma acção de agentes iranianos que beneficiariam do encobrimento de Cristina Kirchner. Entregou as 289 páginas do relatório das suas investigações a um juiz, mas não chegou a advogar a tese perante o Congresso porque no domingo apareceu morto no seu apartamento do edifício Le Parc de Puerto Madero, zona rica da capital Buenos Aires. “Usaram-no enquanto estava vivo e precisavam dele morto. É triste e terrível”, declara Kirchner.
No relatório de Nisman, a presidente é acusada de secretamente ter chegado a um acordo para evitar a acusação de envolvimento de um antigo funcionário iraniano no ataque de 1994.

Trata-se de uma morte embrulhada em papel de romance policial, com pormenores que deixam demasiadas pontas soltas: a imprensa aponta a ausência – a seu pedido – de guarda-costas durante a noite de sábado, quando Alberto Nisman era normalmente protegido por 10 homens; a morte com uma arma emprestada por um funcionário seu na Procuradoria, quando ele próprio tinha duas armas; a recusa de passagem à ambulância de emergência por duas vezes e a chamada de um médico da Swiss Medical, uma empresa privada de saúde.
Acresce a informação de que Alberto Nisman teria feito uma lista de compras que a sua empregada doméstica deveria fazer na segunda-feira.
Inicialmente a presidente argentina apontava para o suicídio como a causa de morte mais provável: “A morte de uma pessoa sempre provoca dor entre os seus entes queridos e consternação ao resto das pessoas. Além disso, o suicídio provoca em todos os casos, primeiro, estupefação, e depois as interrogações. O que foi que levou uma pessoa a tomar a terrível decisão de acabar com a vida?”.
“Espiões que não eram espiões. Suicídio que não foi suicídio”
Trata-se de um posicionamento que é agora revisto pela chefe de Estado. Num texto intitulado no original “Los espías que no eran espías. Los interrogantes que se convierten en certeza. El suicidio (que estoy convencida) no fue suicídio”, Cristina Kirchner revê a teoria do suicídio para propor a ideia – certeza, na sua cabeça – de que o procurador Alberto Nisman foi assassinado.Alberto Nisman, procurador de 51 anos, tido como competente e “vaidoso”, foi encontrado na banheira em roupa interior e com uma bala na cabeça.
“Usaram-no enquanto estava vivo e precisavam dele morto. É triste e terrível”, declara Kirchner na parte final desse novo texto.
Pelo meio aponta o dedo à teoria de uma conspiração que terá sido urdida contra si e seus próximos a pretexto do alegado encobrimento de espiões iranianos que teriam levado a cabo o ataque contra o AMIA.
“A denúncia do procurador Nisman nunca foi em si mesma a verdadeira operação contra o Governo. Não tinha sequer pernas para andar. Nisman não o sabia e provavelmente nunca o soube. A verdadeira operação contra o Governo era a morte do promotor de Justiça depois de acusar a presidente, o seu chanceler e o secretário-geral de La Cámpora de serem cúmplices dos iranianos acusados pelo atentado terrorista ao AMIA”, escreve.
Neste caso que está a mexer com a vida argentina ficam ainda as acusações ao Governo pela sua incapacidade de reagir ao que vem caindo nas malhas da comunicação social. A Kirchner vem sendo apontado um silêncio demasiado pesado sobre o assunto que apenas é quebrado através das redes sociais. Numa imagem brilhante, a imprensa acusa a chefe de Estado de se esconder atrás do mural do seu Facebook.

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