A cerimônia de abertura da Olimpíada de Londres estabeleceu um parâmetro alto para o Rio superar, em uma superprodução rigorosa que serviu de mensagem para que a cidade comece a pensar logo na imagem que quer passar ao mundo em 2016.
Para artistas ouvidos pela BBC Brasil, a cerimônia concebida pelo cineasta Danny Boyle chamou a atenção pelo uso da história, do humor e da música para sintetizar a cultura britânica.
Com opiniões por vezes conflitantes, os entrevistados destacaram o resgate às raízes do país, do campo à Revolução Industrial, e a participação da ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que carregou a bandeira olímpica.
A cerimônia foi acompanhada com atenção pelo cineasta Cao Hamburguer, que é o diretor artístico, ao lado da cenógrafa Daniela Thomas, da apresentação de 8 minutos que o Rio fará na cerimônia de encerramento, marcando o passagem do bastão.
Hamburguer diz que a cerimônia "assusta de um jeito aterrador" pelo nível alto que tem – como a de Pequim e a de Barcelona. Para ele, o rigor exibido na performance lembra que o Brasil precisa planejar muito bem a sua. "Um show desse tamanho não pode ser no improviso."
"Foi uma superprodução, como sempre é. Gostei muito do começo, mostrando a vida no campo e depois a revolução industrial. Foi uma época muito dura para os trabalhadores e eles conseguiram incluir isso sem glamorizar muito. Adorei a Marina Silva representando a ideia de preservação ambiental, de um novo modelo para o futuro. Os cenários e efeitos não me surpreenderam tanto, porque eu já esperava algo impactante. A Inglaterra sempre tem muito rigor nos espetáculos musicais, nos shows de bandas inglesas. Em termos musicais, achei que faltaram algumas coisas, como os teve Rolling Stones. Mas nós consumimos muito a cultura inglesa, não caberia tudo.
"É um tipo de evento muito difícil de fazer. Logo temos que começar a planejar o nosso. O essencial é pensar com antecedência para não ter que improvisar muito. Um show desse tamanho não pode ser no improviso. Tem que ter o espírito brasileiro do calor e da espontaneidade, mas tem que ter um rigor técnico e artístico também. Não dá para achar que o improviso e o jeitinho brasileiro resolvem, porque aí o barco afunda. É algo que tem que ser levado muito a sério para representar bem o legado e a cultura do Brasil."
Cao Hamburguer, diretor dos filmes "Xingu" e "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" e diretor artístico da apresentação brasileira na cerimônia de encerramento de Londres 2012.
"Achei muito bonito, fiquei emocionada em vários momentos. O início, para mim, foi esplendoroso, com a parte histórica da Inglaterra, rural, depois a Revolução Industrial. Achei muito dinâmico e bem dividido. A entrada da pira olímpica também foi linda. Havia aquela expectativa sobre quem seria o atleta escolhido, e de repente foram vários, um atleta passando (o fogo) para o outro até formar um círculo que ficou parecendo uma flor. Eu esperava um pouco mais da parte musical e das coreografias. A maioria dos meus ídolos musicais são ingleses e foi maravilhoso ver Arctic Monkeys tocando "Come together".
"Agora está na hora de a gente começar a se organizar também. Vi a abertura de Pequim e cada uma é muito diferente da outra. O que vamos contar em uma cidade como o Rio? O que é importante sintetizar? Temos que pensar na nossa história, no que nos afirma, de onde viemos. O Rio tem as marcas do samba, da praia, do futebol. Mas como vamos falar dessa energia, dessa geografia, dessa rede de influências? Que música vamos escolher para o estádio inteiro cantar, que nem cantaram "Hey Jude" com o Paul (McCartney?). O Rio tem que se concentrar na cerimônia de abertura, e rápido."
Deborah Colker é bailarina, coreógrafa e foi a primeira mulher convidada a dirigir um show do Cirque Du Soleil, "Ovo", atualmente em cartaz na Austrália.
"Foi muito surpreendente. Tenho que fazer a ressalva que não pude ver tudo, mas achei algumas coisas ruins e outras geniais, como a colocação do humor inglês e a participação da Marina Silva. Colocá-la ao lado do (maestro Daniel) Barenboim foi uma grande sacação. Eles levaram para a Olimpíada qualidades outras, qualidades de pensamento, e isso para mim foi o que mais marcou, achei algo de conteúdo extraordinário. Ali eu chorei. O começo eu achei frio, com uma narrativa mal ajambrada, talvez excessivamente tradicional. Demorava para tirar as coisas de cena, não tinha magia, e cortava muito para os vídeos.
"Também achei estranho ver aquela rainha que não sorri. É um momento de tanta comunhão, um momento utópico. Será que faremos um mundo melhor? A Olimpíada carrega isso. Ao mesmo tempo, a cerimônia tinha essa novidade de trazer o humor daquele jeito, o Mr. Bean, está aí algo em que a Inglaterra contribui. O mais legal dessas cerimônias é revelar para o mundo algo muito próprio daquele país. Então quando for a vez de pensar no Brasil, temos que pensar no que o Brasil tem de próprio, e mostrar o Brasil como de fato é, e não a sua caricatura."
Bia Lessa é artista e diretora teatral, com obras tão diversas como o projeto do Pavilhão Humanidade 2012, evento paralelo à Rio+20, e a direção da ópera "O trovador", de Verdi, para reinaugurar o Theatro Municipal do Rio em 2010.
"Achei a trilha sonora bem bacana. Musicalmente, ninguém faz melhor do que os ingleses. Teve David Bowie, Pink Floyd, Paul McCartney, Arctic Monkeys... É o supra-sumo da música pop e do rock no mundo. No geral tendo a achar essas cerimônias chatas, elas são muito longas. Entendo a carga emocional e simbólica, a coisa da tocha olímpica, mas acho muito demoradas. Mas comecei a ver porque todo mundo estava comentando no Twitter, no Facebook, até minha mulher ligou para saber se eu estava vendo.
"A cerimônia mobiliza uma multidão enorme, então acho que é importante, no caso do Brasil, mostrar bastante da nossa cultura. Acho que a Inglaterra escolheu uma tendência mais forte do rock, e nós temos que mostrar a nossa diversidade, o samba, a bossa nova, a música nordestina, o forró, o rock. Mas um evento desse tamanho não se faz da noite para o dia, temos que pensar bem. E não existe uma festa que seja a festa ideal para o Brasil. Claro que quem organizar vai trazer suas idiossincrasias, suas preferências. O ideal é que seja o menos sectário possível."
Leoni é músico e compositor há mais de 30 anos. Fundou o Kid Abelha e os Heróis da Resistência e hoje segue carreira solo.
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