sexta-feira, 28 de junho de 2013

Vitórias e ‘efeito contágio’ multiplicam pequenos protestos pelo país

Após as gigantescas manifestações que tiveram início com a luta pela redução das tarifas do transporte público, mas que incorporaram outras pautas e tomaram diversas cidades do país nos últimos dias, um novo fenômeno passou a ficar mais evidente no cenário brasileiro: protestos e passeatas com um menor número de pessoas e reivindicações mais específicas começaram a brotar no centro e nas periferias das grandes metrópoles ou em municípios do interior.
No Rio de Janeiro, cerca de 1 mil moradores das comunidades da Rocinha e do Vidigal marcharam até a residência do governador Sérgio Cabral na última terça-feira para mostrar insatisfação com as obras do PAC 2 - que preveem a construção de um teleférico na Rocinha. Eles pediram melhor saneamento e educação nas comunidades.
Em São Paulo, na última quarta-feira, dois protestos tomaram a avenida Paulista: um, com cerca de 300 pessoas, contra o deputado federal Marco Feliciano e o projeto de "cura gay" aprovado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara e outro, com cerca de 100 manifestantes, contra a proposta que prevê a atuação de médicos estrangeiros no Brasil.
Além disso, nos últimos dias, foram registrados em diversos locais protestos de movimentos de moradia, contra a violência policial e contra o projeto de lei no Ato Médico, que regulamenta a atuação de profissionais da saúde. Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, manifestantes ocuparam a Câmara dos Vereadores em protesto contra supostas irregularidades na CPI que investiga o incêndio que matou 242 pessoas na boate Kiss, em janeiro.

Contágio

"De fato, nós temos observado que está havendo uma descentralização das manifestações e, ao mesmo tempo, uma fragmentação. Aquelas manifestações iniciais, que congregavam muitas reivindicações, começam a se fragmentar em diferentes manifestações por diferentes causas", afirma o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, diretor do IUPERJ, da Universidade Cândido Mendes.
Na avaliação de Monteiro, além de uma fragmentação, os protestos passaram a incorporar também manifestantes de classes populares, que eram minoria nas grandes marchas, até então majoritariamente de classe média.
Para o cientista político, essa proliferação de manifestações com pautas mais específicas pode ser explicada pelo que chama de "efeito de contágio", que faz com que alguns setores acabem por se 'inspirar' nos protestos e decidam sair às ruas para reivindicar suas próprias demandas.
"Temos visto Brasil afora também comunidades menores, mais pobres, fechando estradas... então isso pode ser aquilo que os analistas de movimentos sociais chamam de efeito de contágio. Esse efeito de contágio é você ver o outro movimento fazendo uma manifestação e fazer também. Isso é já uma evolução desse movimento (de protestos)", diz.

Governo

Dilma Rousseff / AP
Em pronunciamento na TV, presidente Dilma Rousseff anunciou 'cinco pactos' para melhorias
Com a força das manifestações, os executivos, legislativos e a Justiça de diversas esferas da federação passaram a fazer concessões aos manifestantes.
Prefeituras e governos estaduais baixaram tarifas de transporte público, o Congresso aprovou em tempo recorde medidas que estavam nas pautas dos protestos e a presidente Dilma Rousseff anunciou uma séria de cinco "pactos" que preveem melhorias nas áreas de educação, saúde, responsabilidade fiscal e até uma reforma política.
Mas, no lugar de acalmar os ânimos dos manifestantes, as concessões alcançadas após as marchas podem acabar por estimular novos protestos.
"De alguma maneira, essa movimentação meio atabalhoada da classe política está fazendo com que as pessoas se sintam estimuladas a ir para a rua mesmo (...). As pessoas vão pensar: 'é assim que funciona, nós vamos para rua, reclamamos e os políticos fazem'", diz Monteiro.

Rocinha

Um dos organizadores do protesto na Rocinha, o estudante de Design Denis Neves, de 27 anos, participou de algumas das manifestações no centro do Rio que culminaram com a redução nos preços das tarifas e avaliou que este poderia ser um bom momento para levar a reivindicações de sua comunidade para as ruas.
Ele conta que o fato de os governos dos mais diversos níveis terem feitos concessões aos manifestantes estimulou ainda mais os moradores a realizarem o ato que questionou a construção de um teleférico na comunidade e pedia saneamento básico e creches para os moradores.
"Tivemos essa ideia de trazer para a Rocinha as manifestações que estavam acontecendo no Brasil (...) Porque finalmente o povo está sendo ouvido. A gente vê que, com os manifestos, tanto no campo da Presidência, quanto no governo e no município, todo mundo está fazendo por onde (para atender as demandas). Até o (presidente do Senado) Renan Calheiros está a favor da tarifa zero, então você vê que realmente funciona, que está tendo retorno", diz.
Após que a marcha que seguiu até o Leblon, os manifestantes tiveram uma pequena vitória. Segundo Neves, eles foram convidados para uma reunião com o governador Sérgio Cabral nesta sexta-feira e agora trabalham para detalhar uma pauta de reivindicações.

Divisões

"Temos visto Brasil afora também comunidades menores, mais pobres, fechando estradas...isso pode ser aquilo que os analistas chamam de efeito de contágio. "
Geraldo Tadeu Monteiro, diretor do IUPERJ
Pedro Fassoni Arruda, professor do Departamento de Política da PUC-SP, avalia que a presença de diversas pautas nos protestos acabou por criar divisões entre os manifestantes, o que contribuiu para que, após a redução nos preços das tarifas, o movimento se dividisse, com cada um dos setores organizando atos com reivindicações específicas.
"Chegou um momento em que houve conflitos entre os próprios manifestantes, não entre eles e a polícia. Isso é sintomático do quanto (o movimento) diversificou, incorporando setores desde a esquerda até a extrema direita no espectro político. Então (quando) aqueles protestos atingiram o objetivo, cada um agora está tentando colocar uma reivindicação de acordo com seus interesses: a PEC 37, o 'Fora Feliciano', isso ou aquilo", diz.
Arruda concorda que as concessões do governo podem acabar por estimular novos protestos, mas avalia que isto não quer dizer que essas demandas serão atendidas.
"Até agora, o que a gente viu de concreto foi apenas a revogação do aumento e a não aprovação da PEC 37, mas muitas outras questões ainda precisam ser discutidas. Por exemplo, as manifestações exigindo a saída do Marco Feliciano da Comissão de Direitos Humanos não surtiram nenhum efeito, ele continua lá firme e forte", diz.
"O curioso é que a população se divide, alguns podem reivindicar alguma coisa nas ruas e outro grupo convocar uma manifestação exigindo exatamente o contrário. Então, depende muito da correlação de forças, qual o grupo que tem realmente maior poder de influenciar as decisões do governo".

Mobilização

Um dos fundadores do Fórum de Lutas contra o Aumento da Passagem, grupo que vinha organizando os protestos no Rio, o estudante Raphael Godoi, de 16 anos, concorda que a redução nas tarifas "animou" vários pessoas, que vêm comparecendo em peso em reuniões do movimento ou convocando atos com outras pautas.
O movimento fundado por Godoi realizou uma manifestação na tarde da quinta-feira no centro do Rio que mobilizou cerca de 2 mil pessoas.
"A cada plenária (vêm) gente nova. Acho que a galera está animada, (mas também) está tudo mundo puxando eventos para seus próprios objetivos"
Raphael Godoi, fundador do movimento Fórum de Lutas contra o Aumento da Passagem
"A cada plenária (vem) gente nova. Acho que a galera está animada, (mas também) está tudo mundo puxando eventos para seus próprios objetivos. Isso ocorreu simultaneamente com diversas pessoas e a gente vê essa divisão: tem um monte de eventos, em vários lugares e um monte de causas diferentes que não estão mais levando o mesmo número de pessoas", diz.
Embora reconheça que as próximas manifestações possam atrair um número menor de pessoas, ele avalia que o movimento – que, entre outras pautas, continuará protestando por tarifa zero e contra a privatização do Maracanã e a remoção de famílias pelas obras da Copa e Olimpíada – não perderá força.
"Eu acho que vamos continuar com o movimento forte sim. Vai cair um pouco o número de pessoas, mas vai ficar forte, até mesmo porque quem vai continuar, vai continuar realmente com uma visão política e sabendo o que quer", diz.

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