A Corte Internacional de Justiça
de Haia, na Holanda, colocou fim nesta segunda-feira a uma disputa
marítima entre Chile e Peru que se arrastava havia mais de cem anos.
A nova delimitação diz respeito a uma faixa
marítima de 38 mil km² de extensão, em uma região rica em recursos
pesqueiros no oceano Pacífico.Em 2008, Lima apresentou à corte um processo exigindo a soberania em relação à área, argumentando que os limites marítimos nunca foram delimitados. Já o Chile alegava que estes limites foram especificados em dois tratados firmados nos anos de 1952 e 1954.
Muito importante na pesca de anchovas, a área vem sendo alvo de disputa desde a Guerra do Pacífico, que envolveu os dois países entre 1879 e 1883.
Anchovas
"A Corte estabelece que a fronteira siga uma linha paralela até as 80 milhas e, a partir de então, siga em direção sul até um ponto B, baixando (em linha reta e na altura das 200 milhas) até um ponto C", explicou o presidente da Corte Internacional de Justiça de Haia, Peter Tomka.Apesar de a decisão ter sido vista como favorável ao Peru, muitos analistas chilenos ouvidos pela correspondente da BBC afirmaram que o setor pesqueiro do país não será afetado, já que a pesca de anchova seria realizada nas primeiras 12 milhas (cerca de 20 km) a partir da costa.
Ainda assim, a Confederação De Pescadores do Chile lamentou que o país tenha perdido "um terço de seu mar", por onde passava uma importante rota de recursos pesqueiros.
"A Corte estabelece que a fronteira siga uma linha paralela até as 80 milhas e, então, siga em direção sul até um ponto B, baixando (em linha reta e na altura das 200 milhas) até um ponto C"
Peter Tomka, presidente da Corte Internacional de Justiça de Haia
O governo de Sebastián Piñera, no Chile, e o de Ollanta Humala, no Peru, haviam dito que acatariam a decisão, não importava qual fosse.
No final de semana, os dois países reforçaram a vigilância policial em sua fronteira para evitar que a resolução de Haia alterasse os ânimos na região. Os dois governos também temem que a decisão atrapalhe o crescente comércio entre os dois países.
Transição
De acordo com a correspondente da BBC Mundo em Santiago, Paula Molina, a decisão de Haia encontra um país em transição: com um presidente em exercício, Sebastián Piñera e uma ex-presidente eleita, Michelle Bachelet. Os dois estabeleceram que, de acordo com a tradição da política externa chilena, o país lidaria com a decisão com uma única voz."Mas, a pressão pelo consenso não conseguiu evitar o surgimento de algumas vozes críticas, especialmente em relação à política das 'cordas separadas', defendida pelo atual ministro do Exterior, Alfredo Moreno, e que favoreceu um clima melhor de negócios entre os dois países, apesar da reclamação peruana", afirmou Molina.
Enquanto o processo avançava em Haia, as empresas chilenas, principalmente do setor têxtil, aumentaram os investimentos no país vizinho.
O ex-ministro do Exterior de Bachelet, Mariano Fernández, por sua vez, criticou uma decisão de 2011 em que Piñera e o Congresso chileno condecoraram o ex-presidente peruano Alan García, que iniciou o processo contra o Chile em 2008.
Na fronteira, em frente à região marítima em disputa, a principal preocupação é a dos pescadores que, no caso de uma decisão contra o Chile, teriam seu acesso à pesca de anchova comprometido, e esta é a principal fonte de renda destes pescadores. O governo se reuniu com eles para garantir apoio.
Mas o gesto mais significativo, segundo a correspondente, foi o dos prefeitos das duas cidades da fronteira, a chilena Arica e a peruana Tacna, que se reuniram no começo de janeiro para firmar uma declaração de irmandade e amizade.
Passado
De acordo com Verónica Ramírez, correspondente da BBC Mundo em Lima, o passado de discórdias entre os dois países remonta à Guerra do Pacífico, que envolveu os dois países entre 1879 e 1883.Mas a tensão histórica vinha diminuindo graças à diplomacia e a uma relação comercial que está em seu melhor momento.
Os gestos políticos, tanto chilenos como peruanos, evitaram o triunfalismo, segundo a correspondente. A chanceler peruana, Eda Rivas, se mostrou confiante afirmando que "a paz triunfará" e o presidente Ollanta Humala afirmou que "não é apenas acatar a decisão, é cumpri-la, e as sentenças se cumprem".
O jornalista e analista político Pedro Salinas também se mostra otimista quanto à relação entre Peru e Chile.
"Além de fechar o último litígio fronteiriço como país, se abre uma oportunidade de reconciliação, de virar as páginas que estavam marcadas pelo rancor, e de olhar para o futuro com otimismo."
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