segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Corte de Haia põe fim a disputa histórica entre Chile e Peru

Corte de Justiça de Haia  (AP)
Governo do Chile e do Peru prometeram acatar a decisão da Corte de Justiça de Haia
A Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, colocou fim nesta segunda-feira a uma disputa marítima entre Chile e Peru que se arrastava havia mais de cem anos.
A nova delimitação diz respeito a uma faixa marítima de 38 mil km² de extensão, em uma região rica em recursos pesqueiros no oceano Pacífico.
A determinação do tribunal seguiu, até certo ponto, uma linha proposta pelo Chile, 80 milhas (128 quilômetros) mar adentro. Após esse ponto, foi estabelecida uma linha equidistante ao sudoeste, como haviam solicitado autoridades peruanas. Assim, o Peru recebeu uma região marítima que até então estava em mãos chilenas.
Em 2008, Lima apresentou à corte um processo exigindo a soberania em relação à área, argumentando que os limites marítimos nunca foram delimitados. Já o Chile alegava que estes limites foram especificados em dois tratados firmados nos anos de 1952 e 1954.
Muito importante na pesca de anchovas, a área vem sendo alvo de disputa desde a Guerra do Pacífico, que envolveu os dois países entre 1879 e 1883.

Anchovas

"A Corte estabelece que a fronteira siga uma linha paralela até as 80 milhas e, a partir de então, siga em direção sul até um ponto B, baixando (em linha reta e na altura das 200 milhas) até um ponto C", explicou o presidente da Corte Internacional de Justiça de Haia, Peter Tomka.
Apesar de a decisão ter sido vista como favorável ao Peru, muitos analistas chilenos ouvidos pela correspondente da BBC afirmaram que o setor pesqueiro do país não será afetado, já que a pesca de anchova seria realizada nas primeiras 12 milhas (cerca de 20 km) a partir da costa.
Ainda assim, a Confederação De Pescadores do Chile lamentou que o país tenha perdido "um terço de seu mar", por onde passava uma importante rota de recursos pesqueiros.
"A Corte estabelece que a fronteira siga uma linha paralela até as 80 milhas e, então, siga em direção sul até um ponto B, baixando (em linha reta e na altura das 200 milhas) até um ponto C"
Peter Tomka, presidente da Corte Internacional de Justiça de Haia
De acordo com organizações relacionadas à pesca no Peru, o valor da área disputada em termos de recursos pesqueiros chegava a US$ 200 milhões ao ano.
O governo de Sebastián Piñera, no Chile, e o de Ollanta Humala, no Peru, haviam dito que acatariam a decisão, não importava qual fosse.
No final de semana, os dois países reforçaram a vigilância policial em sua fronteira para evitar que a resolução de Haia alterasse os ânimos na região. Os dois governos também temem que a decisão atrapalhe o crescente comércio entre os dois países.

Transição

De acordo com a correspondente da BBC Mundo em Santiago, Paula Molina, a decisão de Haia encontra um país em transição: com um presidente em exercício, Sebastián Piñera e uma ex-presidente eleita, Michelle Bachelet. Os dois estabeleceram que, de acordo com a tradição da política externa chilena, o país lidaria com a decisão com uma única voz.
"Mas, a pressão pelo consenso não conseguiu evitar o surgimento de algumas vozes críticas, especialmente em relação à política das 'cordas separadas', defendida pelo atual ministro do Exterior, Alfredo Moreno, e que favoreceu um clima melhor de negócios entre os dois países, apesar da reclamação peruana", afirmou Molina.
Enquanto o processo avançava em Haia, as empresas chilenas, principalmente do setor têxtil, aumentaram os investimentos no país vizinho.
O ex-ministro do Exterior de Bachelet, Mariano Fernández, por sua vez, criticou uma decisão de 2011 em que Piñera e o Congresso chileno condecoraram o ex-presidente peruano Alan García, que iniciou o processo contra o Chile em 2008.
Na fronteira, em frente à região marítima em disputa, a principal preocupação é a dos pescadores que, no caso de uma decisão contra o Chile, teriam seu acesso à pesca de anchova comprometido, e esta é a principal fonte de renda destes pescadores. O governo se reuniu com eles para garantir apoio.
Mas o gesto mais significativo, segundo a correspondente, foi o dos prefeitos das duas cidades da fronteira, a chilena Arica e a peruana Tacna, que se reuniram no começo de janeiro para firmar uma declaração de irmandade e amizade.

Passado

De acordo com Verónica Ramírez, correspondente da BBC Mundo em Lima, o passado de discórdias entre os dois países remonta à Guerra do Pacífico, que envolveu os dois países entre 1879 e 1883.
Mas a tensão histórica vinha diminuindo graças à diplomacia e a uma relação comercial que está em seu melhor momento.
Os gestos políticos, tanto chilenos como peruanos, evitaram o triunfalismo, segundo a correspondente. A chanceler peruana, Eda Rivas, se mostrou confiante afirmando que "a paz triunfará" e o presidente Ollanta Humala afirmou que "não é apenas acatar a decisão, é cumpri-la, e as sentenças se cumprem".
O jornalista e analista político Pedro Salinas também se mostra otimista quanto à relação entre Peru e Chile.
"Além de fechar o último litígio fronteiriço como país, se abre uma oportunidade de reconciliação, de virar as páginas que estavam marcadas pelo rancor, e de olhar para o futuro com otimismo."

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