A operação da Polícia
Militar (PM) no último dia 16 no Complexo do Alemão só reforçou o que
estamos denunciando há muito tempo: nenhuma autoridade policial se importa com os moradores e suas vidas. Dos 40 mandados
de prisão apenas um foi cumprido, outros 39 suspeitos não foram encontrados.
Quem sai perdendo com essa
política de segurança pública é o morador da favela. A ocupação das favelas no
Rio de Janeiro foi justificada com a possível melhoria da qualidade de vida da
população local. Promessas com as inúmeras possibilidades, como as obras do PAC,
obras de urbanização, segurança, saneamentos, escolas e outras ilusões, descem
amargamente pela garganta dos moradores.
Ao conversar com dois
amigos
moradores do Complexo do Alemão sobre o ocorrido percebi que deveria
fazer
essas vozes ecoarem. Maria é formada em
jornalismo e mora na comunidade desde que nasceu. Ouvindo ela falar pude
perceber que a Maré vai sofrer com as mesmas ilusões que os moradores do
Alemão
sofrem até hoje. Para ela, as instalações das UPPs possibilitaram ao
morador um
sentimento de esperança e a crença em possíveis e reais mudanças, mas na
medida em que foram se passando os dias, os moradores começaram a ver
as obras
permaneceram inacabadas e o sonho de uma qualidade de vida acabar.
Para o morador da favela, a
entrada da polícia na comunidade sempre resultou no surgimento de uma guerra.
Mas de forma explícita, quem está implantando a guerra é o governo. A UPP não é
para a segurança da população, mas serve como justificativa de poder e assim dominar
os territórios ocupados pelo tráfico de drogas.
Maria alega que “toda vez
que tiver operação na favela nunca iremos mudar a reação de terror, pânico e medo.Sempre
que caminhamos no nosso dia a dia por entre os policiais, somos vitimados, não
há dia e nem hora certa. Vivemos uma total insegurança, os PMs são muito
violentos, corruptos, e tem outros sem preparação alguma, e ainda há aqueles
que só nos olham com ar de vingança e de repressão”.
Maria
continua dizendo que a
UPP se instalou na favela como único órgão do estado, e tiraram a
liberdade de
ir e vir da população. “Aqui acontece a proibição de bailes, pagodes ou
qualquer tipo de festa que reúna muitas pessoas no mesmo lugar. Muitos
moradores foram reprimidos ate mesmo em festa de aniversario de criança
com
total violência. A UPP mantém um propósito de dominar e não de dar
segurança.
Até mesmo os projetos sociais destinados a crianças e jovens daqui têm
que ser coordenados por PMs. Até mesmo dos projetos existentes há muitas
décadas os PMs querem tomar
posse. Isso é legal? Vivemos muitas décadas sobrevivendo sem o poder dos
órgãos
do governo e a favela sempre conseguiu realizar seus projetos, mas todos
somos vítimas. Moradores, trabalhadores, comerciantes, todos de alguma
forma já foram atingidos negativamente com a instalação e a falsa
segurança das UPPs”.
Para os moradores, acordar com voos rasantes de
helicópteros e tiros desde a madrugada é abrir os olhos no meio da noite e se
sentir em meio a uma guerra. “Isso não é vida, não somos respeitados, não temos
nossos direitos garantidos, ficamos presos em nossos lares até que o som volte
ao normal, que se escute o cachorro latir, o rádio do vizinho ligado, crianças
brincando, pessoas conversando e pipa no céu. Fora isso ficamos presos, quem
está dentro não sai e quem está fora não pode entrar”.
Para Fernando, auxiliar
administrativo e morador do Morro do Alemão, as UPPs não são vistas como um
projeto de segurança e sim como insegurança.
“Insegurança por quê? Sempre que há uma operação
policial no morro, o principal medo dos moradores da comunidade é a bala
perdida. Depois vem a abordagem policial. Policiais arrogantes, opressores e
agressivos, muitas vezes aparentam estar até drogados. Por que a maioria
dos homens que são mortos em incursões policiais são dados como traficantes. Por
que será? Não será porque nossa polícia acha que todo morador de comunidade é
traficante?”.
Fernando diz que as
instalações da UPP trazem riscos para os moradores dessas comunidades.
“Os bandidos sabem em quem estão atirando, conhecem todos no morro e os
policiais
estão fardados, os policiais atiram em qualquer um. Quero falar que
antes das
ocupações policiais, era difícil ter tiroteios, afinal a policia quase
não entrava
nas comunidades, a não ser para mandado de busca e apreensão ou outros
tipos de
operação. Com a polícia nas comunidades, esse panorama mudou, a qualquer
momento pode começar um tiroteio por que as comunidades são dominadas
pelos
policiais e também pelos traficantes”.
O saldo da operação da última quarta-feira foi o esvaziamento de 10 escolas onde 4 mil crianças não
foram para a sala de aula.
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