domingo, 24 de novembro de 2013

Acordo com Irã tem efeitos limitados, mas importantes

Instalação nuclear iraniana, em foto de arquivo (AFP)
Acordo prevê o fim de trabalhos experimentais no reator de Arak (acima), no Irã
O único motivo para o Ocidente aumentar as sanções econômicas contra o Irã era forçar o país à mesa de negociações e tentar alcançar um acordo sobre seu programa nuclear.
O único motivo para ir à mesa de negociações era porque as demais opções - uma ação militar de Israel, dos Estados Unidos ou uma combinação dos dois - eram inaceitáveis. E poderiam ter consequências imprevisíveis em uma região já volátil, além de apenas retardar o programa nuclear iraniano em alguns anos.
Esta primeira série de negociações em Genebra teve como objetivo "testar o ambiente": estabelecer medidas de boa vontade, melhorar a confiança e ganhar tempo - seis meses -, durante os quais os negociadores podem tentar resolver as complexas questões técnicas que envolvem as atividades nucleares iranianas, em busca de um acordo mais abrangente e definitivo.
Então, como classificar o acordo interino alcançado neste domingo entre Teerã e potências ocidentais?
À primeira vista, parece um bom acordo - certamente sob a perspectiva das grandes potências, mais do que muitos analistas esperavam.
O principal objetivo era conter as atividades nucleares do Irã durante as negociações. Se for totalmente implementado, vai servir para exatamente isso:
  • Todo o enriquecimento de urânio além de 5% deve ser interrompido
  • Todo o estoque de material enriquecido a 20% deve ser diluído para convertê-lo a uma forma que não pode ser mais enriquecida. Esse urânio enriquecido a 20% é a matéria-prima que o Irã poderia usar para armamentos nucleares
  • O Irã não instalará mais centrífugas (máquinas usadas para enriquecer o material radioativo), e um grande número de centrífugas existentes ficará inoperante
  • O estoque de urânio enriquecido a 3,5% do Irã vai permanecer igual por seis meses
  • Em linhas gerais, não haverá mais construções ou trabalhos experimentais no reator de Arak, o qual especialistas ocidentais temem que poderia ser usado - quando concluído - com plutônio, permitindo ao Irã um segundo caminho em direção a uma bomba nuclear
Em grande parte isso representa um congelamento do programa nuclear iraniano, que vai essencialmente ficar em compasso de espera durante os seis meses de negociações.
Em troca, o Irã recebeu o que a Casa Branca insiste que é "um alívio limitado, temporário e reversível" das sanções econômicas:
  • Se o Irã cumprir o acordo não haverá novas sanções econômicas nos próximos seis meses
  • Certas sanções sobre ouro, metais preciosos, o setor automotivo iraniano e as exportações de petróleo iranianas serão suspensas, dando um alívio de cerca de US$ 1,5 bilhão nas receitas do país
  • Reparos ligados à segurança e inspeções podem ser permitidos para algumas das companhias aéreas iranianas
  • Cerca de US$ 4,2 bilhões de receitas com a venda de petróleo iraniano poderão ser transferidas para o país
  • Cerca de US$ 400 milhões de fundos iranianos poderão ser transferidos a instituições educacionais em outros países para pagar os custos de estudantes iranianos

Efeitos limitados

John Kerry, secretário de Estado dos EUA, comemora acordo em Genebra
John Kerry, secretário de Estado dos EUA, comemora acordo; Israel criticou atuação americana
Tanto os americanos quanto os iranianos parecem ter saído da mesa de negociações com um sorriso.
Ambos podem dizer que receberam concessões, mas seu efeito prático será limitado. O sucesso real é que abriu-se caminho para novas negociações substanciais.
O alívio das sanções foi pontual e específico. Os Estados Unidos enfatizam que as sanções já existentes continuarão a ser cumpridas.
O Irã em larga medida congelará qualquer novo progresso em suas atividades nucleares, mas muitas de suas centrífugas não estão em operação. O país já vinha limitando o seu trabalho de enriquecimento de urânio por alguma razão há algum tempo, e o reator de Arak ainda teria muito trabalho pela frente para poder entrar em operação.
Ou seja, o Irã não está oferecendo muito, nem ganhando muito.
Mas o acordo permitirá uma inspeção mais intrusiva nas instalações nucleares iranianas, algo que pode ser vital caso um acordo definitivo seja alcançado.
As potências ocidentais também podem argumentar que todas as incertezas quanto às atividades nucleares iranianas (incluindo seus supostos aspectos militares) serão agora resolvidas - mais um ponto importante para um acordo futuro.
Houve, porém, uma importante concessão: o Irã continuará a enriquecer urânio em nível básico.
É isso, talvez, que mais preocupe Israel, que criticou o pacto deste domingo. É improvável, na prática, que Teerã deixe de enriquecer o material, seja nesta fase interina do acordo ou em acertos mais definitivos.

Atmosfera

Exagerar o significado do acordo deste domingo não faz bem a ninguém. O premiê israelense, Binyamin Netanyahu, chamou-o de "erro histórico". Outros argumentaram que o acerto muda a retórica típica do Oriente Médio, de exagero de ambos os lados.
O acordo, na verdade, tem o potencial de melhorar a atmosfera das negociações e pavimentar o caminho para conversas futuras, bem-sucedidas ou não.
A questão nuclear iraniana é importante, para o Oriente Médio e para o mundo. Se for resolvida, será um motivo a menos para uma possível guerra. Mas isso não muda o fato de que o Irã é uma potência regional chave, sobretudo depois que o regime de Saddam Hussein (visto como inimigo por Teerã) foi derrubado.
Israel e outros países árabes - sobretudo Arábia Saudita - estão profundamente incomodados com o rumo das negociações. Muitos temem que os EUA não sejam capazes de pressionar o Irã o bastante e que o acordo sirva para reforçar a crescente proeminência iraniana na região.
E o que a menor pressão internacional sobre o Irã significará para outras áreas sob influência iraniana, como Iraque e Síria (cujo regime de Bashar al-Assad conta com apoio de Teerã)?
Essas dúvidas são todas justificáveis. Mas um Irã em posse de armamentos atômicos mudaria dramaticamente os cálculos estratégicos da região. Poderia favorecer a proliferação nuclear em diversos outros países.
O Oriente Médio não seria o mesmo. É por isso que, daqui a seis meses, muitas coisas estarão em jogo.

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