quinta-feira, 24 de outubro de 2013

RJ: fuzis e comércio fechado em UPP retratam tentativa de reação do tráfico

Madrugada foi de tensão na favela Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio de Janeiro, e um homem morreu após tiroteio.

Após um longo tiroteio pela madrugada na favela do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, o comércio local amanheceu com as portas fechadas nesta quinta-feira. Thomas Rodrigues Martins, 32 anos, morreu após ser atingido por tiros de fuzil, durante uma intervenção policial, conforme informou a Polícia Civil do Estado. Esta é uma velha prática dos tempos em que o tráfico de drogas controlava as comunidades do Rio de Janeiro, com a fundamental diferença de que, nos tempos atuais, já existem as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
A morte de Martins, cujo corpo se encontra agora no Instituto Médico Legal (IML), motivou um protesto de moradores do morro. Durante o cortejo de seu corpo, os manifestantes fecharam o cruzamento da rua Sá Ferreira com a avenida Nossa Senhora de Copacabana, principal acesso ao morro. Martins tinha passagens na polícia por roubo, tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo. O caso está sendo investigado pela 13ª DP (Gávea). Quatro policiais foram ouvidos e tiveram os fuzis apreendidos para confronto balístico. Testemunhas e moradores serão chamados para prestar depoimento.
O clima foi de revolta entre moradores, que rechaçam a participação de Martins com o tráfico de drogas, mas, de acordo com moradores ouvidos pelo Terra, a presença do tráfico aumenta cada vez mais no local, ocupado por uma UPP desde 2009.
"O tráfico tem uma hierarquia, e quando acontecem essas coisas, eles mandam fechar o comércio. Tinha acabado isso, mas teve essa ordem. A UPP deu garantia, mas os moradores ficam tensos, não tem jeito", explicou o presidente da associação de moradores do morro do Cantagalo, vizinho ao Pavão-Pavãozinho, Luiz Bezerra do Nascimento.
Por mais que sejam duas comunidades distintas, elas ocupam praticamente o mesmo plano, com a diferença de que o Cantagalo é acessado pelo bairro de Ipanema, enquanto que no caso do Pavão, por Copacabana. Ou seja, a situação de ambas, em termo de presença do tráfico e políticas de segurança pública, é a mesma. "Ele (Martins) era uma pessoa nascida e criada na comunidade. Isso ajudou o clima a ficar ainda mais pesado", completou.
De acordo com Bezerra, "antes os policiais da UPP nem usavam fuzil. Mas como voltaram a andar essas pessoas armadas, já tem um tempo que as patrulhas voltaram a andar mais com fuzil pela comunidade". Este fato, inclusive, gerou um erro de informação por parte da assessoria de imprensa das Unidades de Polícia Pacificadora, que, num primeiro momento, afirmou que a morte do morador, atingido por balas deste calibre, não era oriunda de disparos feitos por policiais justamente em função dos PMs locais não portarem fuzis.



​A Polícia Civil desmentiu, posteriormente, a notícia corroborando com a tese de que ele foi morto após intervenção policial. "O que a gente escuta por aí é que eles estão tentando retomar tudo. Já se vê gente andando armada, principalmente pela noite. O clima é de medo, claro, pois a gente estava muito mais tranquilo antes. Agora vive tenso", relatou uma moradora, que pediu para não ter a identidade divulgada.
Moradora há 30 anos do Pavão-Pavãozinho, ela reafirma que o comércio fechado foi ordem de traficantes que ainda atuam no local - o marido dela possui um bar na localidade e recebeu ordem expressa de marginais para não levantar as portas. "Estamos com muito receio. Os policiais dizem para abrirmos, ficarmos tranquilos, mas como, se voltou a ter gente morrendo?", perguntou.
Uma outra moradora da comunidade, há 15 anos no local, relatou ao Terra que escutou um intenso tiroteio pela madrugada - "coisa que há tempos não acontecia, parecia os tempos antes da UPP mesmo" -, e que não mais conseguiu dormir, principalmente após os rasantes do helicóptero da Polícia Militar sobre a comunidade. "Parecia uma operação. Foi o nosso pior momento desde que colocaram a UPP aqui, sem sobra de dúvidas", disse.
O tiroteio e morte na comunidade do Pavão-Pavãozinho (a Polícia Civil ainda averigua se um outro homem foi ou não ferido no tiroteio) foi o terceiro episódio recente de violência ocorrido em favelas com UPPs no Rio de Janeiro. Na última quinta-feira, moradores de Manguinhos, onde recentemente foi instalada uma UPP, protestaram contra a morte de um jovem de 18 anos. Um dia depois, dois PMs de uma UPP instalada no Complexo do Alemão foram baleados após troca de tiros com possíveis criminosos relacionados ao tráfico de drogas local.
De acordo com a especialista em segurança pública e chefe do Instituto de Estudos Sociais e Polícitos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Alba Zaluar, "é óbvio que os traficantes nunca se conformaram com essa política de segurança. Eles agora estão em 'bequinhos', com limites impostos pela presença de policiais, e com ganhos muito menores".
Na opinião da especialista, as recentes manifestações, com o emprego de força policial ostensiva na tentativa de conter manifestantes mascarados mais exaltados, "foi uma oportunidade para que o tráfico aumentasse sua investida. Os policiais estão exaustos, a corporação está exausta. Esta garotada mais violenta está abrindo caminho para eles de uma certa forma", concluiu.

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