quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

União Europeia impõe sanções à Ucrânia em dia sangrento no país

Manifestante ucraniano (AFP)
A trégua aceita pelo governo na quarta-feira não durou; Ao menos 22 pessoas morreram nos novos confrontos
Ministros de Relações Exteriores da União Europeia (UE) decidiram impor sanções a autoridades ucranianas, consideradas "responsáveis pela violência e pelo uso excessivo da força". Dezenas de pessoas morreram no confronto entre policias e manifestantes nos últimos dois dias.
O número exato de vítimas é conflitante. Baseado no relato de testemunhas, agências falam de 21 a 27 corpos de manifestantes espalhados nas ruas que ficam nos arredores da Praça da Independência, também conhecida como Maidan. A agência Associated Press fala em até 70 mortos, citando o médico-chefe da equipe que trata os manifestantes. Segundo as autoridades, um policial também morreu.
Logo após a reunião de emergência em Bruxelas, o ministro de Relações Exteriores da Suécia, Carl Bildt, publicou uma mensagem no Twitter em que diz que as autoridades ucranianas terão seus bens congelados e ficarão proibidas de viajar ao bloco. Ele destacou que as medidas serão adotadas em regime de urgência.
Ao sair da reunião, a chefe de política internacional da UE, Catherine Ashton, acrescentou que estão proibidas as exportações para o país de qualquer material que possa ser usado para reprimir as manifestações. Ashton ainda acrescentou que o presidente Viktor Yanukovych deve ser o "principal responsável" pelo diálogo entre os dois lados do conflito.
Segundo a agência de notícias Unian, o chefe de gabinete de Yanukovych disse que as sanções iriam piorar ainda mais a situação na Ucrânia, citando o “perigo de o país ser dividido em dois”.
Em razão dos conflitos, os Estados Unidos já havia anunciado o cancelamento de vistos de 20 membros do governo ucraniano, mas não citaram nomes.
Já na Rússia, o primeiro-ministro Dmitry Medvedev disse nestas quinta-feira que o país quer “um governo forte” na Ucrânia, para que as pessoas não limpem seus pés nas autoridades como se elas fossem um capacho”.

Violência nas ruas

Até o momento, a União Europeia vinha preferindo incentivar o diálogo entre o governo e a oposição, pedindo que ambos os lados façam concessões. A mudança de postura veio após mais um dia sangrento nas ruas da capital Kiev.
Pessoas presentes na praça da Independência, reduto da oposição, contaram ter visto tiros e o uso de coquetéis molotov e canhões d’água. Sirenes de ambulâncias ressoam a todo momento no centro de Kiev, enquanto manifestantes circulam pelas ruas com tacos e bastões. Hospitais estão cheios de feridos.
Em relato à BBC, um profissional de saúde disse haver 12 corpos no necrotério improvisado no saguão do Hotel Ukraine. A área vinha sendo usada como um centro de triagem dos feridos nos confrontos, que já duram três meses.
Manifestantes – alguns deles armados – pediram cobertores aos hóspedes para usá-los como bandagens. Segundo Kevin Bishop, jornalista da BBC presente no local, um padre foi visto no saguão.

Trégua?

Na quarta-feira, o presidente Viktor Yanukovych havia anunciado uma trégua com a oposição para dar fim ao derramamento de sangue. O líder virou alvo de críticas de outros líderes internacionais por sua recusa no diálogo com os manifestantes.
Corpos em Kiev (BBC)
Testemunhas disseram ter visto entre 21 e 27 corpos de manifestantes na Praça da Independência, em Kiev
Os novos embates representam uma quebra desta trégua. Um comunicado no site da presidência culpa a oposição e diz que “os pedidos de diálogo eram nada mais do que uma forma de (os opositores) conseguir tempo para mobilizar e armar militantes”.
Líderes da oposição taxaram a violência como “uma provocação” por parte das autoridades. Já integrantes do setor de extrema direita do grupo que lidera as manifestações afirmaram não ter assinado nenhuma trégua e que não havia “nada a negociar”.
Segundo membros do partido de oposição Udar, liderado por Vitaly Klitschko, as negociações com o presidente Yanukovych devem ser retomadas ainda hoje, mas não está claro se essas conversas seguirão em frente diante dos novos confrontos e acusações mútuas.
Feridos em Kiev (AP)
Ucranianos carregam o corpo de um manifestante pelas ruas da região central da Capital Ucraniana
“Os cidadãos de Kiev assistem a tudo incrédulos, enquanto o centro da cidade se desintegra e se transforma numa zona de guerra”, disse o jornalista David Stern, correspondente da BBC New em Kiev. “É muito improvável ou até mesmo impossível que a paz seja reestabelecida neste momento.”
Esta quinta-feira foi declarada como dia de luto pelos mortos nos confrontos da última terça-feira, considerado até então o dia mais violento da crise na Ucrânia, iniciada em novembro passado. Naquele dia, foram registrados 25 mortos e mais de 200 feridos.

Rússia ou Europa?

Os protestos começaram após o presidente Yanukovych rejeitar um acordo comercial com a União Europeia. Em vez disso, ele preferiu estabelecer laços mais fortes com a Rússia.
Milhares de pessoas foram às ruas. Uma maior integração com a Europa, com a perspectiva de se tornar membro da União Europeia, é uma antiga reivindicação de parte da sociedade ucraniana.
Desde então, os protestos se espalharam pelo país e se intensificaram depois da violenta resposta da polícia. Foram criadas leis anti-protestos e houve o registro de sequestro e espancamento de manifestantes. Na Praça da Independência, reduto da oposição, uma das principais demandas é a convocação de novas eleições presidenciais e parlamentares.
O ponto central da disputa é futuro da Ucrânia. Para que lado vai pender a nação do leste-europeu? Vai se voltar ao oeste, como Polônia e Hungria, e se integrar com a União Europeia? Ou vai se voltar à Rússia, com quem tem laços históricos?
Manifestante em fogo
Os conflitos na Ucrânia vêm se intensificando desde novembro do ano passado
Não são apenas interesses ucranianos os que estão em jogo na Praça da Independência. O presidente russo, Vladimir Putin, quer tornar seu país uma potência econômica global capaz de rivalizar com a China, os Estados Unidos e a União Europeia. Essa estratégia passa pelo estabelecimento de uma união aduaneira entre antigas repúblicas soviéticas e a Ucrânia é uma peça vital nesse plano.
A União Europeia, por seu lado, transforma-se num empecilho à Rússia ao expandir sua influência no antigo quintal soviético. O resultado é uma Ucrânia dividida, inclusive geograficamente.
O oeste do país, onde a população fala ucraniano, pende para a Europa, com quem tem laços culturais e históricos. Os protestos já se espalham por esta parte do país.
No leste, onde houve colonização russa e parte da população fala russo como primeira língua, os ucranianos pendem para Moscou.
Cidadãos da parte ocidental argumentam que uma maior integração com a Europa trará prosperidade e ordem à Ucrânia. Eles lembram que em 1990 a Ucrânia tinha um Produto Interno Bruto (PIB) maior do que o da Polônia, que entrou na União Europeia em 2004. Hoje a economia polonesa é três vezes maior que a ucraniana.
Os líderes europeus também acreditam que a proximidade ajudaria a diluir a abordagem a autoritária do atual governo da Ucrânia em questões que envolvam direitos humanos.

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