segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Caso Pesseghini: “Marcelo se matou por fracasso, e não por arrependimento”, diz psiquiatra

Laudo aponta para doença por falta de oxigenação do cérebro, adquirida aos dois anos.
O psiquiatra forense Guido Palomba concluiu em seu laudo sobre Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, de 13 anos, acusado de matar os pais e duas pessoas da família no início de agosto, na Vila Brasilândia, na zona norte de São Paulo, que o jovem sofria de uma doença adquirida aos dois anos de idade e que ele se matou não por arrependimento pela chacina, mas sim pelo fracasso de seu clube de assassinos, o qual pretendia formar com amigos da escola.
Essas e outras conclusões estão no laudo de 35 páginas entregue por Palomba no fim da última semana ao delegado Itagiba Vieira Franco, do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa). Em entrevista ao R7, o psiquiatra explicou que Marcelo sofria de uma doença chamada encefalopatia encapsulada ou sistematizada, a qual se desenvolve por falta de oxigenação do cérebro. Com o adolescente, isso ocorreu aos dois anos, durante uma internação hospitalar.
— Esse distúrbio é relativamente comum, que se encontra com uma certa facilidade e desde já quer dizer que não são as pessoas portadoras desse tipo de distúrbios que vão ficar matando seus pais amanhã. Isso acabou dando um território pré-disposto para que depois ele tivesse desenvolvido esse delírio encapsulado ou sistematizado que levou ele a cometer esse delito., mas é uma conjuntura, uma série de fatores nos quais há circunstâncias nas quais ele vivia, nas quais ele estava inserido e foram elas que contribuíram.
Entenda o caso da família morta na Vila Brasilândia
Marcelo Pesseghini ameaçou a mãe antes do crime, diz testemunha à polícia
Ao ter como pais a cabo da Polícia Militar Andréia Bovo Pesseghini, e o sargento da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Luiz Marcelo Pesseghini, Marcelo teve contato com assuntos relacionados à violência, o que só foi intensificado pelo gosto que o jovem sempre possuiu por jogos considerados violentos.
— Ele também aprendeu a atirar muito cedo, participava de jogos e isso foi formando o núcleo mórbido delirante dele, porque em cima dessa encefalopatia, que é o comprometimento cerebral, se desenvolveu um delírio sistematizado. É nele que estavam as ideias delirantes para matar os pais e se tornar um assassino justiceiro errante. Essas ideias delirantes e graves muitas pessoas souberam. O único problema é que as únicas pessoas que souberam eram da idade dele e ninguém deu trela a isso, ninguém contou aos adultos. Se tivesse contado, talvez alguém tivesse percebido, conversado e naturalmente poderia ter tido um outro desfecho.
Convicto de que desvendou a motivação por trás da chacina – a qual vitimou, além do próprio Marcelo e dos pais dele, a avó, Benedita Oliveira Bovo, e a tia-avó Bernardete Oliveira da Silva –, Palomba explicou ainda o que levou Marcelo a se suicidar, após matar toda a família horas antes. De acordo com o especialista, o adolescente se matou não por arrependimento, mas pelo próprio fracasso.
— Ninguém dava trela pra ele que já vinha falando sistematicamente sobre matar a família. Mas ele não se matou por arrependimento, porque esse tipo de doença não dá arrependimento, mas sim por fracasso. Ele mata os pais, vai pra escola, conta aos amigos que tinha matado e ninguém deu trela, aí ele mostra a chave do carro, conta até pra uma menina, convida ela pra fugir, mas moral da história: ele acaba regressando de carona pra casa, sem o carro, volta ao mesmo lugar (dos crimes), sem nenhum amigo seguidor, ninguém deu bola pra ele. E o que acontece? Toda aquela fantasia delirante ruiu completamente. Ele, por fracasso, com a mesma naturalidade que matou os pais, ele se mata.
Dom Quixote é citado em estudo
A título de ilustração, Palomba afirmou que conseguiu encontrar semelhanças entre Marcelo Pesseghini e o personagem Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Tanto o adolescente quanto o herói apresentavam traços da “monomania”, doença primeiramente descrita em 1838. É um sinônimo para o delírio encapsulado citado pelo psiquiatra forense em seu trabalho.
Na obra, Dom Quixote enlouquece ao ler romances, absorvendo as histórias que leu como a sua realidade, o que o faz sair pelo mundo em busca das próprias aventuras.
— Eu não resisti nas conclusões de fazer esse paralelo porque ele (Dom Quixote) também sofria de monomania. Comparei com Dom Quixote porque vi que ele saia com o carro como se fosse o (cavalo) Rocinante de Dom Quixote. Ele preparou a mochila com faca, revólver, tal qual Dom Quixote com a lança e a espada. Ele foi convidar os amigos para serem seus fiéis escudeiros, só que eles não quiseram. E ele tinha esse ideal de matador errante, tal qual Dom Quixote, o cavaleiro errante. Mas é apenas um colorido que não sei se é importante, coloquei mais como algo entre parênteses no laudo.
Delegado vai anexar laudo ao inquérito, sem prazo para conclusão
Questionado pelo R7 sobre o que achou do estudo produzido por Palomba, o delegado Itagiba Franco disse ter “gostado do resultado” e confirmou que tudo será reunido ao inquérito. Ele preferiu não dar comentários detalhados sobre as impressões da polícia sobre o laudo psicológico de Marcelo Pesseghini, porém é provável que as impressões do psiquiatra sejam apontadas como a motivação para a chacina.
Apesar do novo documento, o inquérito ainda não tem prazo para ser concluído. A expectativa é que os trabalhos policiais se encerrem no dia 5 de outubro, prazo referente à prorrogação pedida pela polícia no início deste mês. Entretanto, a polícia pode solicitar novas prorrogações até quando julgar necessário. O que atrapalha a investigação, praticamente finalizada, é a falta dos sigilos telefônicos dos aparelhos da casa e das vítimas.
De acordo com Franco, os investigadores aguardam o envio por parte das operadoras de todos os dados, para então cruzar com os laudos já disponíveis. A polícia quer ter total convicção de quais foram as últimas ligações feitas e recebidas pela família Pesseghini nas horas que antecederam os crimes.

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