"Se não há Justiça, há escracho popular", estampava a faixa afixada
no muro da casa do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que
comandou o Destacamento de Operações de Informações e o Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo, entre 1970 e 1974.
Sobre o gramado da entrada da casa, localizada em um bairro nobre e
tranquilo de Brasília, foram colocadas fotografias de vítimas dos
agentes da ditadura militar, como Sônia Maria de Moraes Angel e Carlos
Lamarca.
"Foi uma forma de Justiça mesmo, para expor para a
sociedade que ele praticou crimes muito cruéis de tortura. Ele foi o
único torturador que foi punido pela Justiça, porém continua livre e
solto. Parece que olha para a sociedade e fala 'Eu matei, eu torturei,
agora eu vou continuar recebendo meu salário e vivendo no anonimato'",
diz Bárbara Loureiro, integrante do Levante Popular da Juventude, grupo
que organizou a ação de "escracho".
As grades da casa deixaram à
mostra o carro novo na garagem de Ustra, mas as portas e janelas
cerradas não permitiram que os ativistas e a imprensa vissem mais que
poucos elementos do cotidiano do coronel. Pelo interfone, a esposa dele,
Maria Joseíta Brilhante Ustra, relutou em falar com nossa equipe de
reportagem. A única exceção foi para reclamar dos "vândalos" que
picharam o local: "Se tivesse vindo um outro grupo, a gente atendia, mas
veio um bando de gente marginal com bandeira vermelha", disparou.Do
outro lado da rua, Marília Souza, 58 anos, olhava a movimentação de
jornalistas e a palavra “Justiça” inscrita repetidas vezes sobre o
asfalto e as paredes da casa daquele que ela avalia ser um bom vizinho.
Apesar de relatar a convivência tranquila com a família, ela diz que “é
revoltante, a gente se coloca no lugar das vítimas”. Logo depois,
completa: “Mas é isso. Ele lá e eu cá”. O vizinho de Marília, também
conhecido como doutor Tibiriçá, é apontado como coordenador de mais de
500 sessões de tortura na sede do DOI-Codi de São Paulo, muitas delas
registradas pela Arquidiocese de São Paulo no livro Brasil: Nunca Mais.
Distante
poucos quilômetros dali, em frente ao Congresso Nacional, o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o Movimento de Mulheres Camponesas e
o Movimento dos Pequenos Agricultores lembravam os camponeses que foram
perseguidos e torturados durante o regime militar. Em homenagem a eles,
foram colocados 1.196 crucifixos na Esplanada dos Ministérios, número
equivalente ao que os movimentos consideram ter sido o de camponeses
assassinados naquele período.
Integrante da coordenação nacional
do Movimento dos Pequenos Agricultores, Beto Palmeira lembra que, antes
do golpe, a população rural estava fortalecida e organizada em torno das
Ligas Camponesas e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura. Depois, “com o golpe, houve um processo de repressão muito
forte, de tortura e desaparecimentos. Pelas próprias condições da época e
pela invisibilidade das lutas do campo, chegou-se a esse número de
1.196, embora o Estado só reconheça 29”, lamenta.
Para Palmeira,
os camponeses mortos precisam ser encarados e contabilizados como mortos
políticos e os responsáveis pelas mortes, julgados. Além disso, defende
que a luta deles por reformas deve integrar a agenda da sociedade e do
Poder Público. “Quando a gente traz a pauta dos camponeses mortos, é
para quebrar esse tabu e para lembrar que a reivindicação daqueles
camponeses continua sendo atual: a reforma agrária. Depois de 20 anos de
democracia, a gente costuma dizer que ainda há resquícios da ditadura. E
um desses resquícios é a falta de reforma agrária”, completa.
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